Crônica

Menos lamentação, mais luta

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Menos lamentação, mais luta

Nem tudo está perdido, embora haja sim muita coisa lamentável. Olívio Dutra, que era franco favorito ao senado, foi vencido pela desistência de última hora da Cambaleante Nádia e seu apoio ao milico maçônico Mourão. Se não foi dessa vez lembro vocês que em outros pleitos elegemos o nosso Galo Missioneiro mais de uma vez para cargos diferentes. Edegar Pretto teve dificuldades porque é muito menos conhecido e tem incomparavelmente menos horas de exposição midiática do que os bolsonaristas que foram para o segundo turno. E convenhamos que mesmo a militância de esquerda custou a acreditar e trabalhar seriamente pela sua candidatura. Ainda assim ele não foi para o segundo turno por míseros 0,04% dos votos. Com Lula a diferença não foi nada exagerada com o fascista, ainda mais considerando a ostensiva campanha do submundo da internet que chega em todos os cantos e celulares, embora saibamos que pelos absurdos que ele fez e faz não era pra ter conquistado um voto sequer. Ainda assim na capital e principal colégio eleitoral do estado nós vencemos. Na região do pampa, praticamente todo o sul indo até o oeste do estado, vencemos também. Ressalto ainda o importante avanço que teve a nossa querida Bancada Negra de Porto Alegre com excelentes resultados.

Todavia, não quero passar a mão na cabeça do “coitadinho” do nosso estado, nem dizer que está bom assim. O que eu quero dizer é que HÁ LUTA, HÁ RESISTÊNCIA! Nosso estado quase sempre esteve dividido, polarizado, mas mesmo no norte do estado, onde tantos acham que são europeus e fingem ser gaúchos para não ser brasileiros, há resistência. Lá, com toda a guerra ideológica que temos visto, elegemos Elvino Bohn Gass e Denise Pessôa. Enquanto houver capitalismo haverá luta de classes!

É verdade que há um mar de racistas no Rio Grande do Sul, mas é também o estado com o maior número de terreiros do Brasil (sim, mais do que na Bahia e no Rio de Janeiro, por exemplo, podem conferir no site do IBGE). Temos pelo menos 146 quilombos identificados e uma expressiva população indígena. É ainda o estado de Sepé Tiaraju, guarani missioneiro que bravamente liderou uma revolta contra os impérios português e espanhol. É a terra do bravo Nheçu, que não aceitou a colonização europeia. É a terra do bravo Manoel Padeiro, grande líder quilombola que tanto combateu e assustou os estancieiros escravistas no século XIX.

Aliás, se historicamente somos terra de tantos estancieiros escravistas com seus latifúndios podemos lembrar também que foi nesse estado que começou o grande MST na Encruzilhada Natalino, que fica no norte do estado e contou com tantos companheiros descendentes de imigrantes na luta pela terra. Nosso estado é também a terra do grande guerrilheiro Diógenes Oliveira e também da Maria do Rosário e da Fernanda Melchionna, que tanto incomodam os fascistas.

É louvável e admirável a consciência humana dos nossos irmãos e irmãs nordestinas e eles merecem todos os elogios e apoios que têm recebido, mas em vez de soluções escapistas e lamentações por não termos atingido essa consciência acho humildemente que devíamos seguir o exemplo deles e lutar pelo nosso estado como eles lutam pelos deles. Lembrem que há alguns anos atrás eram eles que votavam mais à direita. Quem não lembra de ACM, Sarney e outros que ainda estão atuantes na política e não cabe nem mencionar? Por que não poderíamos melhorar as coisas por aqui como eles e elas bravamente fizeram por lá? Não é o melhor que podemos fazer por nós e por eles também?

Vocês podem dizer que eu falei muito do passado e ele não existe mais, mas ele existe sim. Ele existe em nós, ele nos constitui. Ele está em nossos hábitos, em nossos pensamentos, nas nossas palavras e atitudes. E essa é ainda a terra de Leonel Brizola e de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, cujo Memorial nos orgulha hoje em Porto Alegre. A lista de lutadoras e lutadores que já partiram e que estão aqui peleando é infindável. Conhecidos ou anônimos. E nós somos esse povo também! 

Até o Movimento Tradicionalista Gaúcho não seria uma coisa tão tacanha se não fosse a brutal ditadura imposta em 1964 e que entupiu os CTGs de coroneizinhos do exército e sargentões da brigada. Essa terra gerou Noel Guarany, Pedro Ortaça, Cenair Maicá, Jayme Caetano Braun, Família Guedes, César Passarinho, Leopoldo Rassier, Yamandu Costa, Nei Lisboa, Luiz Eurico Tejera Lisboa, Gelson Oliveira, Nelson Coelho de Castro, Oliveira Silveira, Giba Giba, Mestre Borel, o Ói Nóis Aqui Traveis, Paulo José, Loma, Maria Luiza Benitez, Oristela Alves, Luciana de Abreu, Eduardo Guimaraens, Mario Quintana, Aureliano Figueiredo Pinto, Erico e Luis Fernando Veríssimo, Josué Guimarães, Dyonélio Machado, Simões Lopes Neto e tanta gente mais que às vezes nós mesmos desconhecemos ou não prestamos atenção. Quantos professores e professoras, pesquisadoras e pesquisadores incríveis tivemos e temos por aqui! Bah, até me emocionei! Também temos do que nos orgulhar, gauchada!

Essa terra brasileira coladinha na Argentina e no Uruguai tem possibilidades imensas de desenvolvimento de uma cultura latino-americana e brasileira rica, humana, solidária, próspera e feliz. A luta continua sempre, companheiras e companheiros! A única coisa que não muda é a lei segundo a qual tudo muda, dizia um filósofo alemão. E para que mude para melhor, deixemos de lamentações e sigamos na luta!


David Cunha é músico e historiador. Pesquisador e roteirista do documentário “Minhas Andanças – Noel Guarany”, membro da Banda Kalunga e músico gaúcho, brasileiro e latino-americano.

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