Crônica

Ninguém quer perder a teta (ou a treta)

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Ninguém quer perder a teta (ou a treta)

Quando meu filho mais velho dormia no peito depois de uma mamada fazia um vácuo. Era preciso colocar o dedo entre a boca e o seio para desgrudar. Quem é mãe sabe do desafio de tirar a criança do peito sem acordá-la, tamanho o desespero de perder aquela chance de poder também dormir, afinal temos a sensação de nunca mais experimentarmos um sono sem susto. (Sensação que parece se confirmar a cada nova fase de um filho.) E assim ele foi até quase os três anos quando, numa madrugada, nos despedimos da “teta”. O gesto de prover alimento e cuidado passou a ser um calvário; era hora de partir. 

O desmame constitui nosso primeiro grande luto. E o luto é o tempo necessário para cada um, a seu modo, lidar com a dor da perda de um objeto (material ou simbólico), um objeto de afeto e satisfação. É um processo. A percepção do que se foi e o vazio que se apresenta. A consciência de não controlarmos o destino. As coisas e as pessoas partem, morrem e se vão a revelia do nosso querer e do nosso empenho. É o vazio de algo que antes estava ali e temos, agora, que dar conta sozinhos deste espaço novo. A nosso fazer as heranças. 

Herança é algo muito mais interessante que patrimônio. O tempo do luto é o de incorporar – perceber e trazer para o próprio corpo – o que era deste outro. É perceber que nosso gosto musical se ampliou, que novos sabores passamos a conhecer, que lugares antes desconhecidos hoje nos são íntimos, que argumentos e ideias que nos escapavam hoje ocupam nosso discurso, que cores, roupas e hinos ignorados estão agora num altar doméstico de importâncias. Nada e ninguém se vai sem nos deixar algo. Viver o luto é viver este tempo de acomodamento de um novo espaço. É trazer para si, além das heranças, a energia toda dedicada a este outro. É perceber que este vazio também é tempo. E aqui reside o principal desafio. Quem sou eu agora sem este propósito, sem essa bandeira, sem esse que me dava sentido? Eu preciso retornar à casa e olhar para mim, e sozinho. 

Assim como o amor, o luto nos humaniza e iguala.

[Continua...]

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