Crônica

O ingrato

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O ingrato
“É um inferno ser pobre, isso não é nenhum segredo; é um inferno estar doente sem dinheiro, faminto sem dinheiro; é um inferno ficar doente e faminto para sempre até o último dia. Os desolados empregos que a maioria de nós precisa enfrentar; os desolados empregos pelos quais a maioria de nós precisa caçar, implorar; os desolados empregos que detestamos do fundo de nosso espírito exausto e com os quais precisamos mesmo assim nos comprometer… meu deus, os alcoólatras, os poetas, os suicidas, os viciados, os loucos tudo isso vomita!” Vejo com frequência críticas severas a Bukowski em minhas redes sociais (a maioria me soa como puro esnobismo; porém, tudo o que li do autor até agora foi uma seleção de correspondências, então não sou capaz de opinar). Mas, digam dele o que quiserem, ele sabia de uma ou duas verdades. Outro dia, saindo do açougue de uma das lojas onde trabalho, me aproximei de Janaína (que é responsável pelo bazar e me adora) e falei sem mais nem menos:  – Jana, tem uma coisa que eu tô precisando muito falar pra alguém. Será que tu poderia me escutar um minutinho? – Depende. Se tu for rápido… – ela respondeu, sem se deter. – É rapidinho. Só uma coisa que eu preciso botar pra fora – falei, andando logo atrás. – Então fala. – Sabe o encarregado do açougue? – O William? – Ele mesmo. – O que tem ele? – Aquele cara é um bosta! Um lixo! Uma excrescência! Um escroto! Puta-que-pariu, como aquele cara é um bosta! – cada exclamação saiu num tom mais alto que a anterior; então respirei fundo e concluí com doçura: – Bah, que alívio! Eu precisava dizer isso pra alguém. Obrigado. É chocante circular por várias unidades da mesma rede de supermercados e ir observando como os funcionários que estão mais acima na hierarquia da empresa são semelhantes entre si. Claro que há algumas exceções, mas, pelo menos na rede onde eu trabalho, se você for a qualquer loja e procurar pelo encarregado de qualquer setor, o mais provável é que você encontre um homem muito branco, com pouco cabelo e cara de cu. (Exceto nos setores de perfumaria e bazar – coisas “pra casa” –, que costumam ser deixados “aos cuidados” de mulheres.) Uma vez, anos atrás, quando eu era funcionário de uma dessas lojas, o encarregado do meu setor (que se chamava Vanderlei e, por algum milagre, até que era gente boa), ao observar o meu esforço, me disse uma coisa inusitada: – Fica tranquilo, um dia tu vai ganhar uma gravata – no dialeto da empresa, isso significava ganhar uma promoção. – É só tu não ser como o Fulano. O Fulano era um colega de quem ninguém gostava, pois já dera várias demonstrações de ser um grande folgado e possuir sérias falhas de caráter. Vendo por esse lado, até que fazia sentido o Vanderlei me dizer pra não ser como ele. Mas, no mesmo instante em que ouvi aquilo, […]

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