Crônica

Crônicas animais: Raça definida

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Crônicas animais: Raça definida Gurias! Venham! Venham ver! Finalmente, vamos poder fazer uma tosa schnauzer! Esse é perfeito! Litoral norte do Rio Grande do Sul, abril de 2021. Quino, Pâm e eu havíamos fugido de Porto Alegre, por causa do aumento de casos de contágio e internações por Covid-19. Cansadas do confinamento, fomos para uma praia vazia, num período fora de temporada de verão, para podermos caminhar mais à vontade e soltar o cusco. Já estávamos na praia há cerca de um mês e os pelos do Quino cresciam formando maçarocas com areia e sal. Era hora de ele tomar banho e cortar um pouco as melenas. Acabávamos de entrar na pet shop, quando a atendente, evocando a tal tosa schnauzer, chamou as outras três funcionárias para se reunirem em torno de nós. A responsável pelas tosas estava exultante: desde que aprendera a fazer a tosa schnauzer, era a primeira oportunidade que tinha de colocá-la em prática. Ele é schnauzer? Me perguntou. Não, é vira-lata. Não pode ser… Tem uma cruza com schnauzer, com certeza. Eu não soube responder. Ele havia chegado à nossa casa há cerca de seis meses, tendo naquela época, presumivelmente, um ano de idade. Não cheguei a conhecer os progenitores do Quino, lá em casa costumamos dizer que ele é do tipo barbudinho. Mas são muito frequentes abordagens de pessoas curiosas a respeito da “raça” do nosso cusco: “Que bonitinho! Que raça é?” ou “Que amor! É bichon (frisé), né?”, ou ainda, “Mãe, olha! Um schnauzer!”  Só é mais espantoso do que esse fetiche pela definição de uma raça a reação de desbunde e até a desconfiança quando respondemos que o cachorro é vira-latas, guaipeca, cusco, que não tem uma raça única, definida. Alguns viram a cara, fazem muxoxo; outros ficam nos olhando, desconfiados, como quem diz “perguntar não ofende” ou “até parece que alguém vai querer roubar esse cachorro de vocês!”; e tem os que fazem cara de quem sabe algo que não sabemos, ou seja, que temos um cão “de raça” e, abobalhadas que somos, não fazemos ideia disso. Não seria eu a carrasca a reprimir o desejo ardente daquelas mulheres de fazerem uma tosa schnauzer. Mas eu só queria tirar o excesso de pelos, as barbas estavam arrastando no chão. Perguntei: “A tosa schnauzer não é mais cara?” “A gente faz o mesmo preço da básica pra vocês”, foi a resposta. Sem escapatória que não me exigisse julgar-me cruel, autorizei. “Agora, tem que ver se ele vai topar. Se oferecer resistência, não insistam, caso contrário, esse inofensivo cusquinho adquire a forma de um demônio da Tasmânia e bota a pet abaixo. Lembrem-se: não tentem cortar as unhas! E tosa higiênica, nem pensar!”.  Três horas depois, Quino aparece com sobrancelhas espetadas, bem simétricas, bigodes ao estilo Paulo Leminski, igualmente em cuidadosa simetria, e a característica “saia” do schnauzer, até o momento totalmente desconhecida para mim: os pelos que descem das laterais e da parte de baixo do corpo do cachorro são apenas aparados, ficam longos de modo que ao […]

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Gurias! Venham! Venham ver! Finalmente, vamos poder fazer uma tosa schnauzer! Esse é perfeito! Litoral norte do Rio Grande do Sul, abril de 2021. Quino, Pâm e eu havíamos fugido de Porto Alegre, por causa do aumento de casos de contágio e internações por Covid-19. Cansadas do confinamento, fomos para uma praia vazia, num período fora de temporada de verão, para podermos caminhar mais à vontade e soltar o cusco. Já estávamos na praia há cerca de um mês e os pelos do Quino cresciam formando maçarocas com areia e sal. Era hora de ele tomar banho e cortar um pouco as melenas. Acabávamos de entrar na pet shop, quando a atendente, evocando a tal tosa schnauzer, chamou as outras três funcionárias para se reunirem em torno de nós. A responsável pelas tosas estava exultante: desde que aprendera a fazer a tosa schnauzer, era a primeira oportunidade que tinha de colocá-la em prática. Ele é schnauzer? Me perguntou. Não, é vira-lata. Não pode ser… Tem uma cruza com schnauzer, com certeza. Eu não soube responder. Ele havia chegado à nossa casa há cerca de seis meses, tendo naquela época, presumivelmente, um ano de idade. Não cheguei a conhecer os progenitores do Quino, lá em casa costumamos dizer que ele é do tipo barbudinho. Mas são muito frequentes abordagens de pessoas curiosas a respeito da “raça” do nosso cusco: “Que bonitinho! Que raça é?” ou “Que amor! É bichon (frisé), né?”, ou ainda, “Mãe, olha! Um schnauzer!”  Só é mais espantoso do que esse fetiche pela definição de uma raça a reação de desbunde e até a desconfiança quando respondemos que o cachorro é vira-latas, guaipeca, cusco, que não tem uma raça única, definida. Alguns viram a cara, fazem muxoxo; outros ficam nos olhando, desconfiados, como quem diz “perguntar não ofende” ou “até parece que alguém vai querer roubar esse cachorro de vocês!”; e tem os que fazem cara de quem sabe algo que não sabemos, ou seja, que temos um cão “de raça” e, abobalhadas que somos, não fazemos ideia disso. Não seria eu a carrasca a reprimir o desejo ardente daquelas mulheres de fazerem uma tosa schnauzer. Mas eu só queria tirar o excesso de pelos, as barbas estavam arrastando no chão. Perguntei: “A tosa schnauzer não é mais cara?” “A gente faz o mesmo preço da básica pra vocês”, foi a resposta. Sem escapatória que não me exigisse julgar-me cruel, autorizei. “Agora, tem que ver se ele vai topar. Se oferecer resistência, não insistam, caso contrário, esse inofensivo cusquinho adquire a forma de um demônio da Tasmânia e bota a pet abaixo. Lembrem-se: não tentem cortar as unhas! E tosa higiênica, nem pensar!”.  Três horas depois, Quino aparece com sobrancelhas espetadas, bem simétricas, bigodes ao estilo Paulo Leminski, igualmente em cuidadosa simetria, e a característica “saia” do schnauzer, até o momento totalmente desconhecida para mim: os pelos que descem das laterais e da parte de baixo do corpo do cachorro são apenas aparados, ficam longos de modo que ao […]

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