Crônica

Sobre heavy metal, torcidas de futebol e um poema português do século XX

Change Size Text
Sobre heavy metal, torcidas de futebol e um poema português do século XX
Desde que a loucura se instalou no Brasil e no mundo, com o terraplanismo imperando por todas as áreas e lados, me vem à cabeça uma música do álbum Psicoacústica, do Ira!, de 1988. Trata-se de Receita para se fazer um herói. Aí, você deve se perguntar o que essa canção tem a ver com heavy metal, torcidas de futebol e uma poesia portuguesa do século passado.  Comecemos por essa última, então. Ao procurar a letra que não me vinha inteira, descobri que ela é, na verdade, um poema de Reinaldo Ferreira. Ele nasceu em Barcelona em 1922 e viveu em Lourenço Marques, hoje Maputo, capital de Moçambique, onde morreu devido a um câncer de pulmão, em 1959, aos 37 anos. Pouco se sabe acerca de sua vida ou sua obra – toda lançada postumamente. Os versos musicados por André Jung, Edgar Scandurra, Marcos Nasi Valadão e Ricardo Gaspa, entretanto, têm muito a ver com esses tempos belicosos, cheios de apitos de cachorro. E, a meu ver, com a banda de black metal Mayhem e muitos fãs de clubes – especialmente aqueles que entoam cantos racistas, xenófobos, neonazifascistas e antissemitas.  Antes de vermos como, vale lembrar para quem está por fora desses dois assuntos – o grupo norueguês e os torcedores. Bom, o primeiro teve dois shows marcados para o Brasil. Um em Porto Alegre e outro em Brasília, ambos cancelados. O motivo, a ligação de alguns integrantes e ex-integrantes com o neonazismo. Além de declarações preconceituosas dos mesmos. Muitos metaleiros brasileiros fizeram a defesa do Mayhem, alegando que eles já tocaram em Israel e na Alemanha, onde as leis antinazismo são respeitadíssimas. Esqueceram que símbolos usados pela banda – nas capas de seus discos, camisetas e tal – e o discurso de ódio de suas composições funcionam como um apito de cachorro para atrair radicais de extrema direita. Bem sabemos que alguns sons apenas os cães escutam, daí um equipamento específico. Na metáfora, só aqueles iniciados entenderiam as mensagens dos noruegueses. Isso também acontece nas arquibancadas, notadamente na Europa. Por lá, vários times têm organizadas abertamente fascistas, como a Lazio, na Itália, ou admiradores do nazismo, caso do Albacete, na Espanha. Outros convivem com radicais menos explícitos. O certo, no entanto, é que a cada ato racista, xenófobo ou antissemita nos estádios serve de apito de cachorro para atrair mais seguidores. É importante lembrar, por exemplo, a voadora de Éric Cantona em um torcedor do Crystal Palace. O fato ocorreu em 1995 – há quase 30 anos! –, após a expulsão do atacante do Manchester United. O agredido, que estava gritando frases contra o francês, era filiado ao National Front, entidade com fortes traços fascistas, e ao partido nacionalista britânico. E chegamos à “fórmula” de Ferreira. “Toma-se um homem,/ Feito de nada, como nós,/ E em tamanho natural”. Essa é a estrofe de abertura. Pois os movimentos musicais “clandestinos”, ou menos populares, e as torcidas planeta afora são formadas, em sua maioria, de homens comuns, como eu ou você. […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.