Crônica

Song for a future generation

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Song for a future generation

Um troço que faria muito bem pra vida em sociedade é um Museu da Idiotia. Poderia levar algum tempo mas acredito que mesmo monumentais idiotas entenderiam que ser eternizado em uma ou mais (dependendo do artista) unidades seria algo potencialmente vexatório. E, portanto, a ser evitado, se ainda houver resquícios de autopreservação no DNA do homem contemporâneo. Porque o idiota não é necessariamente burro. Pense no poder educativo para uma turma de estudantes ver, por exemplo, a cena do zé ruela que invadiu um campo de futebol para brigar carregando a filha no colo. Até uma criança pequena entenderia, dado o exemplo, que certas coisas são algo bem idiota de se fazer. De saída, vê-se o ganho conceitual do sujeito parar para pensar enquanto é tempo, até o ponto disso se tornar uma prática promovida por políticas públicas de erradicação da imbecilidade.

Ao contrário da cadeia, onde jogamos as pessoas para serem esquecidas, grandes idiotices seriam preservadas com o objetivo de não repetirmos erros do passado. Serviriam ainda como resposta para casos de impunidade: um idiota pode escapar da justiça mas não da parede. Contra a poeira do tempo que tudo cobre, visitas diárias do público – e, eventualmente, até de parentes – e aquele burburinho dirigido: “Ohhhh…” e “Rapaz, que cara idiota”.

No Museu da Idiotia, haveria uma sala VIP para idiotas top, anônimos e famosos, onde ficaria a estátua do Rodrigo Constantino, complementada por trechos de seus argumentos em debates, em especial aquele com o Ciro Gomes no Conversas Cruzadas da TV Com. Até um visitante idiota médio perceberia o motivo da deferência. Em uma das alas, réplicas de cera de comentaristas esportivos e alto-falantes reproduzindo suas pérolas, além de todas as edições do programa Sala de Redação. Em outra, a dos coaches de masculinidade, o visitante seria surpreendido ao não encontrar o careca do Campari, mas sim os seus alunos (visto que esperto é ele) que pagam pelo, digamos, han, “conteúdo”. 

Intercâmbios de grandes coleções circulariam pelo mundo inteiro mostrando o que a força da imbecilidade humana é capaz de produzir. Painéis exporiam fluxos infinitos e sempre em renovação de comentários na internet, separados por categorias: Lei Rouanet, Direitos Humanos, o risco do comunismo. Com o nomezinho do idiota bem destacado e, sempre que possível, seu contato. Telões de LED mostrariam uma compilação dos stories produzidos durante a invasão do Congresso em 8 de janeiro. E telas interativas ofereceriam jogos como “Idiota ou mau-caráter?”, com tuítes exclusivamente de políticos.

Monitores voluntários explicariam então que a internet não foi criada pensando em fazer seu primo lá no interior do Estado ou seu pai pagarem de idiota no Facebook. Aquela ala inteira seria portanto um forte indício de que estamos usando esse fenomenal avanço tecnológico de forma errada. Mais uma vez, destaca-se o caráter didático do projeto.

Também empregos indiretos seriam gerados em atividades terceirizadas, como tours guiados até idiotas de destaque: “À nossa esquerda, vemos a residência daquele que ficou conhecido como ‘deputado néscio’ entre seus colegas”.

Ainda que se apresentar em público como um completo idiota pareça ter se tornado motivo de orgulho desde a proliferação das redes sociais, é possível que um bolsonarista concatene uma sequência binária de raciocínio ao ver exposto o seu portrait ou o de um colega, gerando uma corrente de questionamentos na categoria. O bolsonarista é, por definição, incapaz de reconhecer a idiotia nele próprio, mas, fora do ambiente intangível das redes, diante da materialidade isolada pela curadoria do museu, ele poderia vir a apontá-la no outro. Já seria um avanço.

Como última etapa da visita ao museu, teríamos o Cantinho da Reflexão, composto apenas de um espelho. Simbolicamente, a efemeridade daquela imagem buscando evitar que se transforme em um registro perene. Mas, se falharmos, o museu já garantiria o arquivo.

Há que se pensar então no tamanho do acervo. Como guardar e catalogar tanta idiotice? Seria questionável estabelecer critérios restritivos. Considere-se uma única grande idiotice ou a repetição? Como mensurar? O potencial de geração de debates sobre isso já produziria bastante conteúdo novo, o que talvez inibisse o acadêmico com algum senso de limite de participar. Deveríamos então delimitar um equivalente à imunidade parlamentar. Só não pode exagerar.

Mas a ideia me parece boa. O futuro dirá. Só preciso assegurar que, ou por méritos próprios, ou por um gaiato sarcástico e vingativo, ou mesmo algum gestor, no afã de uma sincera mas idiota decisão de me homenagear pela iniciativa, eu não acabe por batizar o museu com meu nome.


Diego de Godoy é diretor de cinema e jornalista.

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