Crônica

Ucranianas

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Ucranianas
Uma das coisas que vem acontecendo no meu trabalho com pessoas refugiadas da Ucrânia é de se contar. Imagina a cena: eu na frente da sala de aula, tentando dar ideias de como aprender francês para o grupo que, composto de seis mulheres, fala entre si em ucraniano. Elas falam em ucraniano, mas também em russo – é bom que se diga isso.  Essa questão de falar russo e ucraniano anda em discussão entre elas, que transitam entre as duas línguas naturalmente. Uma das mulheres é inclusive filha de pai russo com mãe ucraniana, o que mostra a proximidade que existe entre o que está de um lado e o que está de outro nesse período de destruição. O fato de elas serem mães, de estarem na França com seus filhos e filhas, é um ponto bastante delicado. Um dos motivos é que as crianças estão na escola estudando francês, o que de certa forma é bom. (Mais um idioma para a conta é sempre bem-vindo.) Mas é de se dizer: esses pequenos estudantes estão completamente perdidos quando precisam aprender outras disciplinas – como química, geografia, matemática –, já que os professores dessas matérias não explicam com a devida clareza o que é fácil de transmitir à maioria, os francófonos. Sendo assim, a meninada ucraniana passa por um bocado de complicação no aprendizado.  Por sinal, muitas das crianças refugiadas seguem tendo aulas digitais com as escolas da Ucrânia. Um acúmulo de informação que transforma o aprendizado em algo ainda mais pesado, já que França e Ucrânia não estão sincronizadas em termos de períodos de férias. Uma série termina aqui e continua lá. Enquanto isso, o psicológico de mães e filhos vai se fraturando. A palavra “estresse” é moeda corrente na fala delas. Tem outro negócio que é bem danado, e que extrapola a dificuldade da língua e do rendimento escolar. A complicação diz respeito à forma como a França impõe as condições para que essas mães refugiadas fiquem por aqui enquanto a guerra segue. É assim: elas precisam frequentar a associação onde trabalho – que não deixa de ser um trabalho bonito de acolhimento, é verdade, mas que está ligado à assimilação do modelo francês. Vir para uma associação aprender o idioma é a contrapartida para receber o dinheiro que a região da Normandia reverte para essas famílias. Sendo assim, se elas marcam presença, o dinheiro (que não é lá grandes coisas, mas que é muito melhor que não receber nada) entra na conta no fim do mês. Deu pra entender? Venha pra cá, aprenda a língua, frequente aulas diárias, tenha paciência para assinar folhas de presença (entre às 9h, saia ao meio-dia; volte às 13h30, saia às 16h30), escute como se faz para entrar no mercado de trabalho (já que essa guerra não está programada para terminar e é melhor ir se preparando com currículo e carta de motivação – a tal lettre de motivation), more e pague seu aluguel com o dinheiro que revertemos para sua conta, calcule […]

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