Ensaio

Direitos humanos e utopia

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Direitos humanos e utopia

“O homem cabe apenas na utopia. [E] só quem for capaz de encarnar a utopia estará qualificado para o combate decisivo, o de recuperar o quanto de humanidade houvermos perdido” – Ernesto Sábato

Proclamada em dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) completa 75 anos. Em um contexto de pós-guerra, simbolizou o reconhecimento de valores superiores, como a igualdade e a liberdade. Foi a resposta possível às atrocidades cometidas na 2ª Guerra. A DUDH acena para um mundo onde as pessoas tenham o direito de viver sem o temor do arbítrio. Diante da fragilidade da vida, o reconhecimento de uma dignidade essencial do ser humano, que o afirma insuscetível de qualquer discriminação. Mas, como alertou Hannah Arendt, a dignidade humana não pode se reduzir a mera abstração. Deve se voltar para cada pessoa concreta, ao sujeito de carne e osso, que vive, sofre e morre: a pessoa que pensa e quer, que se vê e se ouve, como nas palavras de Miguel de Unamuno. 

A cultura dos direitos humanos, que reconhece a delicadeza da vida, suas igualdades e diferenças, brota na humildade de sujeitos que se compreendem habitantes da Terra e rejeitam a humilhação perpetrada pela arrogância de quem exerce o poder indiferente ao outro. 

Nos seus 75 anos, a DUDH encontra um mundo em que o avanço da tecnologia poderia realizar a esperança de um mundo melhor para um maior número de pessoas em uma maior parte do mundo. Mas as forças alavancadas pelo poder da globalização afetam expressivamente o meio-ambiente, concentram a riqueza, fragilizando a vida das populações mais vulneráveis. E na turbulência dos mercados e suas crises econômicas, a marginalização e toda a violência possível excluem as pessoas de condições existenciais mínimas. 

Dados da ONU indicam que o fluxo de refugiados aumentou para 110 milhões de pessoas e 735 milhões de pessoas são consideradas subnutridas. Conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 50 milhões vivem na escravidão moderna. E, de acordo com dados da ONU. Além de tudo isso, o terror presente na Faixa de Gaza, que torna esquecida a ofensiva russa sobre a Ucrânia e as cada vez mais emergentes consequências da crise climática.

E, como pano de fundo, o recrudescimento de ideologias extremistas, que ressignificam o fascismo e negam a compreensão básica da igualdade entre as pessoas, proclamada pela DUDH. Alimentados pela racionalidade de um modelo econômico produtor de desigualdade, forças antidemocráticas surfam rumo ao poder. Como cavalos de Tróia do século 21, líderes autocratas infiltram-se no poder e corroem os regimes democráticos, parceiros indispensáveis para a consolidação dos Direitos Humanos. 

O enfrentamento desse quadro é o grande desafio da cultura civilizatória que subjaz à DUDH. E, se na vida do homo sapiens os direitos humanos não são imperativos naturalmente presentes, na ordem cultural concretizam a esperança de se viver livre da barbárie: são uma possibilidade humana a ser realizada no mar da existência. E afirmam que o mundo pode ser diferente do que é: mais tolerante e menos violento. Utopia? 


Plínio Melgaré é advogado e professor da Escola de Direito da PUCRS e da FMP.

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