Ensaio

Gritar gol com um livro na mão

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Gritar gol com um livro na mão

Às vezes acontece de a gente admirar as pessoas erradas. Faz parte da vida, não devemos nos envergonhar. Eu, por exemplo, quando tinha uns 10 anos, admirava o então governador Antônio Britto. Achava-o um exemplo de político honesto, desenvolvimentista, inteligente. Em suma, um cara que promovia o que era certo para o Rio Grande do Sul, em oposição a uma esquerda que queria que nós voltássemos a “viver na idade das pedras”, como um famoso radialista não cansava de repetir todos os dias de manhã. Meu pai ouvia esses absurdos logo que acordava, em seu radinho de pilha. Eu, me arrumando para ir para a escola, não tinha outra opção a não ser concordar. Hoje, não é sem um sentimento de culpa que relembro desse absurdo que circulou em minha caixa craniana. Mas tudo bem. Às vezes acontece de a gente admirar as pessoas erradas. Das coisas de que preciso me perdoar, descolorir o cabelo aos 15 anos e admirar o Antônio Britto aos 10 figuram entre as mais difíceis. 

Na faculdade também admirei pessoas erradas. Lembro de um colega meu, cujo nome preservarei, que era metido a saber mais do que todo mundo. Ele estava uns 4 semestres à frente, ou seja, havia entrado na Letras dois anos antes. No entanto, ainda cursava umas cadeiras do segundo e terceiro semestres, pois, segundo disse, havia se matriculado em algumas disciplinas de Teoria da História em detrimento do currículo da Letras. Ele parecia uma pessoa muito inteligente. O simples fato de estar dois anos à minha frente, mesmo com suas disciplinas atrasadas, já o transformava em um ser mais evoluído quando o assunto era conhecimento teórico. Eu, um recém egresso no curso, via as disciplinas se amontoarem à minha frente como uma imensa montanha cujo caminho em parte já havia sido percorrido com muita sabedoria pelo meu colega. E ele gostava de deixar isso bem claro.  

Sempre de jeans preto e camisetas coloridas, não perdia a chance de esfregar na cara de todos a posse de algum conhecimento ou opinião raros. Certa vez, disse que Machado de Assis era um autor previsível e que nem se comparava a David Foster Wallace, que, segundo ele, era o maior escritor de todos os tempos. Ele disse isso segurando uma edição em inglês de BriefiInterviews with hideous man. Eu, é claro, seria incapaz de ler aquele volume. Bem nessa época eu estava lendo O amor nos tempos do cólera, e lembro de ter me envergonhado de dizer a ele que eu estava apaixonado pelo livro. Escritor latino-americano? Certa vez ele disse que só um prestava: Enrique Vila-Matas. 

[Continua...]

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