Clausura, Casulo
Texto por Lolita Beretta
O que pode haver de comum entre a rachadura de uma parede, o olhar para si mesma em fragmento e o trajeto de uma lagarta da construção de um casulo até a saída, naquilo que será seu primeiro voo? Talvez o gesto, desejado ou não, de romper alguma barreira, revelar alguma camada. Pois tanto na parede quanto ao surgirmos através da tela o que há são mesmo frestas, ou algo que se rompe, de revestimento.
Em tempos incertos, de clausura e isolamento, há tentativas de casulo em todo canto, de buscar e construir, qual lagarta laboriosa, alguma casa em torno de si, uma casa a partir de si mesmo. É o que acontece também nesse desdobramento de corpo – como os fios de proteção da lagarta – que se tornou o telefone celular: ali existimos, nos reconhecemos, nos refugiamos.
Reunindo essas percepções, e atravessada pela realidade da natureza, a artista visual porto-alegrense Natália Guindani, radicada no Rio de Janeiro desde 2010, compõe neste ensaio uma narrativa sensível de isolamento, do olhar desnudado para a própria face e para o movimento mínimo que fabrica, dia a dia, alguma grandeza. Nas imagens, produzidas em abril deste ano, fase de isolamento agudo, não apenas a lagarta, mas também Natália e o próprio tempo vão aos poucos se desdobrando e revelando. E no conjunto os registros trazem a possibilidade, em igual medida, de permanência e de mutação, dentro ou fora da própria casa, em movimento miúdo e imenso.
A série de poemas que acompanha as imagens foi feita especialmente por Lolita para este ensaio e intitula-se Há lagartas que se transformam nas paredes de minha casa.
dentro de minha casa
as lagartas desenham suas casas
casas novas
não são minhas
QUAL SERIA A NECESSIDADE DE UM CASULO
.
não edifício
permanente
mas casa anterior,
provisória
erguida bem onde nos transformamos
CASULO, CLAUSURA
.
há quem diga que a solidão
mesmo erguida com cuidado
não oferece contorno algum
LAGARTAS
.
fios pontudos de proteção
anunciam com terrível graça:
ficamos (do lado de dentro)
VOAR
.
uma vez fora de seu casulo a mariposa leva um bom tempo até abrir asas. desse processo, costuma sair com alguma tontura.
as lagartas
vão
arrancando-se em fios
costurando sua casa
que então já logo rompem
e depois já logo esquecem.
Natália Guindani nasceu em Porto Alegre, em 1985. Formada em Ciências Sociais, transita entre a Antropologia e as Artes Visuais. Vive no Rio de Janeiro desde 2010.
Lolita Beretta nasceu em Porto Alegre e vive em São Paulo desde 2015. É mestre em Letras pela UFRGS e colabora como editora-assistente na Parêntese.