Entrevista

André Boucinhas – O riso também tem história

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André Boucinhas – O riso também tem história

André Boucinhas é uma figura. Graduado e mestre em História, tem doutorado em Literatura, ocasião em que nos conhecemos. Intelectual agudo, destemido e certeiro pesquisador, tem um humor daqueles que dá gosto. Em nossos anos de convivência muito aprendi com ele, e sabia de seu projeto de estudar uma fatia da história do humor – que é o centro de seu livro Da revolução do stand-up à TV Pirata (editora 7 Letras), com subtítulo bem explicado – Comédia e sociedade no Brasil, Estados Unidos e Inglaterra

Professor de História, redator de humor, com trabalhos para a Globo e Porta dos Fundos, o André escreveu por assim dizer negociando entre suas duas faces, a do expert na História e o redator interessado no humor. 

O livro estabelece nexos entre comédia e história, tendo como pano de fundo político e ideológico o começo da Guerra Fria, posterior à Segunda Guerra, quando foi inventado o stand-up tal como o conhecemos. 

O ponto de chegada é TV Pirata, humorístico que a Globo produziu uma geração atrás. O livro repassa a trajetória do grupo Monty Python e de Steve Martin, e conta como funcionou o humor televisivo e impresso entre nós, de Millôr e Sérgio Porto a Luis Fernando Verissimo, de Juca Chaves ao Casseta e Planeta, da Família Trapo ao TV Pirata entre outros.

A entrevista, feita por escrito, revela muito dos bastidores da produção do livro e, creio, funcionará como um motivo a mais para lê-lo.

(LAFischer)


Parêntese – Desde quando um historiador sério se mete com humor? Aliás, tem historiador entre os grandes que te serviu de exemplo? Brasileiro também? 

André Boucinhas – O humor está na mira dos historiadores há um tempo. Existem grandes obras com esse tema, tanto lá fora (Jan Bremmer, Uma história cultural do humor) quanto no Brasil (Elias Saliba, Raízes do riso). Mas, embora eu goste muito deles, eles não foram exatamente um exemplo, porque olham para o humor como uma ferramenta utilizada em poemas, anúncios, jornalismo, canções, romances… Eu estava preocupado exclusivamente com comediantes, aqueles que têm como finalidade útlima fazer rir.

P – De onde saiu o teu interesse pelo tema?

AB – Eu tenho uma certa obsessão por comédia desde os 10 anos, mais ou menos, justamente quando fiquei fascinado pela TV Pirata. A comédia me pega de uma forma que não sei se é tão frequente, porque eu literalmente choro de rir com facilidade. Uma vez, ainda adolescente, um atendente de livraria perguntou se eu estava passando mal – eu estava apenas lendo Comédias da vida privada. Ao mesmo tempo, desde pequeno ficava tentando entender o quê me fazia rir e por quê.

P – Na tua formação acadêmica, seja no campo da História ou no da Literatura, o humor tinha em algum momento te chamado a atenção como tema de possível pesquisa?

AB – Não, porque os estudos sobre humor de alguma maneira dão muita importância aos filósofos e nenhuma aos comediantes profissionais. Na minha formação, me chamavam mais atenção os pesquisadores que conseguiam escrever textos acadêmicos brilhantes com senso de humor e ironia, como o Sidney Chalhoub e você. No entanto, de uma maneira geral, não acredito que eu consiga fazer isso muito bem.

P – Por que teu livro estabelece a (excelente) comparação entre o humor brasileiro e dos EUA e aquele da Inglaterra? Haveria alguma obrigação dada pelas evidências? Ou nasceu de afinidades pessoais?

AB – O meu objetivo inicial era fazer uma genealogia do humor da TV Pirata. Não queria exatamente fazer uma reportagem sobre o programa, mas entender de onde veio aquele tipo de comédia que pegou o público da televisão de surpresa. E todos os roteiristas da TV Pirata sempre citam o Monty Python como maior influência. Então essa relação estava na minha cabeça desde o início – o que era ótimo, já que também era fã deles. O que me surpreendeu foi descobrir a importância do stand up dos anos 1950 nos Estados Unidos para tudo que veio depois, incluindo o próprio Monty Python

P – Como foi tua experiência como parte da equipe de redatores do Zorra? E a tua experiência com o Porta dos Fundos? 

AB – As duas foram incríveis. A do Porta veio primeiro e eu já tinha 30 anos. Dava aula há 10 anos e fazia doutorado em Literatura, mas estar numa sala de roteiro de comédia era algo completamente diferente. Em sala de aula ou escrevendo artigos, você é autoridade com base no seu conhecimento e sempre pode demonstrar porque está correto. Numa sala de humor, porém, se você ler seu texto e ninguém rir, não tem discussão: deu errado. Você se sente muito mais exposto. Mas é ótimo para callibrar a autoestima.

P – E a pesquisa em si, para este livro: foi barbada? Foi fácil encontrar o material para o teu trabalho? Pergunto porque imagino os riscos de se perder no infinito das curvas internéticas.

AB – O mais difícil foram as entrevistas, porque eu não tinha muita experiência. O Rafael Cariello (historiador e jornalista), que pensou esse projeto comigo, ajudou bastante nesse lado. Mas a pesquisa sobre o material foi fácil, justamente pela quantidade de material na internet. Claro que às vezes eu buscava um show ou programa específico e acabava ficando horas gargalhando em frente ao computador, mas acabei aprendendo (e me divertindo) bastante dessa forma.

P – E hoje, como entender o verdadeiro boom de stand-uppers pelo Brasil (pelo mundo?) afora? 

AB – Os Estados Unidos viveram esse boom em meados dos anos 80. Quandos os primeiros comediantes de stand up começaram a ganhar programas de televisão e fazerem sucesso (Bill Cosby, Robin Willians, Paul Reiser, Jerry Seinfeld entre outros), esse pareceu o caminho mais rápido para a fama. Isso levou a uma queda de qualidade do stand up americano, porque muita gente se aventurou sem se preparar adequadamente. Eram os engraçados da turma que subiam no palco achando que isso bastava.

No Brasil isso começou a ocorrer nos anos de 2010, em parte pelos mesmos motivos. Com as redes sociais a chance de ficar (ou parecer) famoso aumentou muito, e novamente o stand up pareceu um caminho simples. Ao mesmo tempo, o acesso via internet ao rico universo dos clubes de comédia norte-americanos e a aposta dos canais de streaming em especiais no gênero deram o empurrão final.

P – Que diferenças o teu olhar de historiador consegue já enxergar entre o mundo do humor que está no teu livro, basicamente até os anos 80, e agora?

AB – Ele mudou radicalmente. O politicamente correto entrou com força e tentou (em parte conseguiu) moldar boa parte do mundo da comédia; ao mesmo tempo, um grupo se voltou com força (e até raiva, o que é um problema para um comediante) contra isso. E agora vejo que alguns comediantes buscam meios inteligentes para escapar dessa polarização.

P – Desses comediantes atuais, quem tu destacas? E por quê?

AB – O maior fenômeno no stand up atual são os “4 amigos”. Eles são uma espécie de Beatles desse nicho, no sentido da recepção da plateia. O público grita, vibra, conhece detalhes das suas vidas, acompanham eles nas redes sociais… O Afonso Padilha tem milhões de seguidores nas suas redes. Nem todos os quatro me fazem rir, mas eles dominam o formato do stand up com perfeição e eu diria que é impossível você ver um show deles e não se identificar e rir com pelo menos dois. Tem pra todos os gostos.

Na internet acho que o Choque de Cultura/Falha de Cobertura esbarraram em algo novo. Fazem a sátira justamente das pessoas que usam a internet para encontrar a fama e abusam de uma autoridade argumentativa que não têm. Motoristas discutindo cinema é uma ideia maravilhosa.

P – Aproveitando para uma pergunta de um gaúcho para um cortesão: na geração que está lotando bares e teatros com espetáculos autorais de humor, tem diferença entre o que se faz no Rio, em São Paulo e em outras partes do país? Tem como dar exemplos?

AB – Não vejo muitas diferenças temáticas ou de estilo óbvias de uma região para outra. Talvez o acesso de todos às mesmas referências leve a uma maior homogeneidade. Mas caberia uma pesquisa específica para ter certeza. 

De todo modo, São Paulo ainda acaba atraindo muitos comediantes, pela quantidade de bares e oportunidades.

P – E a tua entrada no mundo desse humor ao vivo: tá rolando? E que tal a coisa? Muito nervoso? Dá certo? 

AB – Eu e outros 3 humoristas (Guilda de comediantes) damos curso de escrita de humor, online e ao vivo. Nas turmas ao vivo, tem um show final que nós apresentamos e fazemos a ligação entre os alunos. É uma experiência que vale a pena, complexa, mas interessante. O mais importante no stand up são as correções diárias, e não tenho condições (nem vontade, na verdade) de viver essa rotina. Depois de cada apresentação você precisa analisar o que está certo ou não, e aprimorar. Tem muitas semelhanças com dar aula, aliás. Mas aí é assunto pra outra entrevista. 

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