Entrevista

Hélgio Trindade: Sonho e realização

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Hélgio Trindade: Sonho e realização Homenagem à Unila pelos membros do Conselho Superior da UASB – Quito

Um dos grandes nomes das Ciências Políticas no país, ex-reitor da UFRGS e reitor-inventor da UNILA – Universidade da Integração Latino-Americana, em Foz do Iguaçu, Hélgio Trindade traz a experiência de sua geração entranhada em sua trajetória, um exemplo de vida pública relevante e construída sempre na trilha republicana e democrática. 

Estudante universitário interessado na transformação do país, ele assistiu de perto o atropelamento causado pelo Golpe de 64 e pelo novo Golpe de 68. Entre os gaúchos, foi um dos primeiros a buscar titulação fora do país, na super-prestigiada faculdade de Ciências Políticas da Sorbonne, e soube construir um caminho de ingresso na universidade para nela ajudar a implantar temas e instituições ainda agora de alto relevo. Conhecer sua vida ajuda a entender, igualmente, caminhos, atalhos e desvios de nosso tempo. 

A entrevista foi feita por escrito: enviamos ao ilustre professor uma pequena série de temas, perguntas, dúvidas, e ele desatou uma veia ao mesmo tempo memorialista e analítica, que tem jeito de vir a se tornar um excelente livro de memórias. Hoje vamos conhecer a primeira parte dessa conversa; a segunda parte será publicada daqui a duas semanas. 

(Luís Augusto Fischer).
 


Parêntese – A família de origem – lugares, figuras, posição social, ideias. 

Hélgio Trindade – Tenho uma dupla origem familiar. Do lado paterno, Trindade tem origem portuguesa. Quando fui para França para fazer meu doutorado, em 1965, visitei umas primas que moravam na cidade de Guimarães, conhecida como berço da nacionalidade porque lá viveu o Infante Dom Henrique. Lá estive por uma semana, junto com minha mulher, recentemente casado e fugindo da Ditadura Militar, com uma ficha no DOPS decorrente da minha militância estudantil, na UEE (União Estadual de Estudantes)/UNE (União Nacional de Estudantes). Além do nome português, havia um ‘Golland”, por conta de um casamento de uma tia tataravó com um oficial inglês que fazia parte das missões britânicas de apoio a nossa marinha de guerra. Meu pai formou-se em Direito na UFRGS (em 1936) e depois de formado tornou-se juiz municipal em Encruzilhada do Sul, onde nasci, em 1939. Quando ele completou cinco anos de atividades, recebeu um convite do governo do Estado, liderado por Walter Jobim, para transformar um distrito de Caxias do Sul (Nova Trento) num novo município: Flores da Cunha. Ele aceitou o desafio e foi morar nesta nova cidade nos anos de 1940, onde permaneceu até a redemocratização em 1945. 

Lá tive a mais livre infância que poderia ter uma criança. Eu saía pela manhã com alguns amigos e circulava por toda a cidade, só voltando nos horários de refeições. Foi uma experiência gratificante. Sofria-se muito com o inverno rigoroso, morando numa casa de madeira tradicional onde a água não corria por estar congelada. Frequentei o primeiro ano no único colégio de freiras que havia no jovem município, no Grupo Escolar Frei Caneca, onde minha mãe, Hebe, fora professora primária, após ter feito a Escola Normal no Instituto de Educação. De retorno a Porto Alegre, fui morar com meus pais na casa da minha avó Hermelina (Dona Nenê), que era professora do Grupo Escolar Uruguai, à época situado num palacete da rua Esperança, atualmente Miguel Tostes. Posteriormente, meu pai assumiu o 5º Cartório de Notas, onde permaneceu até a sua aposentadoria. 

Do lado materno, a família era da fronteira missioneira. Meu avô materno, Átila Guterres Casses, nascido em Alegrete, foi jornalista, promotor (rábula) e poeta, membro da Academia Rio-Grandense de Letras e autor do livro de poesias Stradivarius. Foi amigo fraternal de Getúlio Vargas, em São Borja, com quem diariamente conversava, ambos fumando um charuto, num banco da praça central, época em que Vargas era deputado estadual. Sempre que Vargas voltava para São Borja vindo da capital, meu avô e padrinho era o ‘orador oficial’. Depois de sua longa carreira de Promotor em São Borja, Quaraí e Santa Cruz do Sul, tornou-se Inspetor Federal de vários colégios de Porto Alegre (IPA, Anchieta, etc.). Mais tarde foi convidado pelo Presidente para ir morar no Rio de Janeiro com a família, onde integrou a equipe de jornalistas de A Noite Ilustrada para escrever sobre literatura e artes. 

P – Educação

HT – Depois de ter feito o 2º ano no Grupo Escolar Uruguai, fui para o Instituto de Educação do 3º ao 5º ano primário. Em seguida fiz o Exame de Admissão para o Colégio Anchieta, onde permaneci como aluno da 1ª série ginasial ao 3º ano do Clássico. Os jesuítas, diferentemente dos maristas, não tinham Grêmio Estudantil, mas apenas Grêmio Literário. Fui presidente nos meus anos de Clássico e me interessei por poesia, filosofia e literatura, ouvindo a coleção de discos de poesia que meu pai me presenteou com os principais poetas brasileiros lidas pelos próprios: dos regionalistas Vargas Neto e Ascenso Ferreira até Carlos Drummond e Manuel Bandeira. Então, à época, participei de vários concursos de declamação de poesias promovidos pelo Grêmio Literário do Colégio, no grande auditório. 


Concurso de declamação do Grêmio Literário do Colégio Anchieta

Havia um pequeno grupo de ´livres pensadores’, que se reuniam na casa de um deles para leitura e discussão dos poetas e filósofos pouco ortodoxos e de grandes escritores franceses (Baudelaire, Nietzsche, Proudhon, Voltaire, etc.). Concluído o Clássico, minha vida evoluiu em direções impensadas. Nessa época, eu era amigo de um grupo de alunos do Anchieta e me encontrava periodicamente com eles que ainda estavam concluindo o 3º Clássico. Nesse período eu frequentava a casa do professor Leônidas Xausa, junto ao qual eu buscava orientações e livros de sua imensa biblioteca, sobre Ciência Política, que ele me emprestava. Um dia eu perguntei se ele concordaria em fazer uma palestra para o grupo de anchietanos e ele concordou e, a partir dessa época, fazíamos reuniões e debates. Depois, ele foi eleito vereador do Partido Democrata Cristão (PDC)1, e tinha interesse em criar um grupo que tivesse posições mais à esquerda do que a praticada pelos integrantes da “ala moça” do PDC, no plano nacional e regional. Vários desses estudantes iriam se envolver, ao ingressar nas Faculdades de Direito, com a política universitária, entre os quais eu mesmo.

Foi muito importante, entre o final do meu curso Clássico no Colégio Anchieta e após o término de minha experiência na direção da União Estadual dos Estudantes, o fato de ter tido a excepcional oportunidade de participar de três viagens internacionais que foram decisivas para abrir minha cabeça para o mundo em termos políticos e culturais. A primeira (1957), promovida pelo próprio Colégio Anchieta. A Aerolineas Argentinas, que inaugurava um novo voo – Buenos Aires, São Paulo, Recife, Dakar, Lisboa e Roma -, concordou em pousar excepcionalmente em Porto Alegre. A viagem levou 40 horas, a bordo de um grande avião quadrimotor até Roma. Logo que desembarcamos encontramos um ônibus Mercedes Benz, sem nenhum conforto, pintado de azul e branco e com um motorista durão que era um antigo militar que dirigira tanques durante a II Guerra Mundial. Com ele atravessamos a parte mais rica da Europa. Enfrentamos uma viagem de ônibus entre Roma e Lisboa, o que nos permitiu conhecer os mais importantes países europeus, nos quais visitamos seus principais museus de Roma e Florença, Munique e Frankfurt, Paris, Madri e Lisboa. Tive particular interesse em conhecer o prédio da Sorbonne e sentir o ambiente estudantil no Quartier Latin, onde futuramente iria realizar meu doutorado. Mais tarde, em meados dos anos 60, retornei à Europa para fazer o doutorado e fiz o caminho inverso, iniciando por Portugal. 

P – A viagem a Cuba

[Continua...]

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