Entrevista

Teresa Poester: “Se não tivesse o que fazer, eu inventaria”

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Teresa Poester: “Se não tivesse o que fazer, eu inventaria” Performance "Até que meus dedos sangrem". Foto: Leandro Selister

Às vésperas do lançamento do livro que refaz seu percurso como artista, Teresa Poester comenta os processos de criação: o da própria publicação e o de seus trabalhos

Ganha versão impressa o livro que revisa a trajetória da artista Teresa Poester. O lançamento está previsto para a semana que vem, dia 13, quarta, às 19h, no Centro Cultural da UFRGS, no campus central da universidade. Até que meus dedos sangrem integra a coleção Percurso do artista, da Editora da Universidade. Os primeiros exemplares serão distribuídos gratuitamente. 

Na condição de organizador do livro, propus uma breve entrevista à Teresa, em que ela comenta a experiência de revisar seus 45 anos de trajetória no campo da arte. A artista, nascida em Bagé, em 1954, é professora aposentada do Instituto de Artes da UFRGS e vive, atualmente, entre Porto Alegre e a pequena cidade de Éragny-sur-Epte, na região da Normandia, na França.

O livro que está saindo pela Editora da Universidade em parte dá conta da exposição Até que meus dedos sangrem, realizada entre 2019 e 2020, na Reitoria da UFRGS; em parte, oferece um balanço da tua trajetória. Imagino que essa revisão, percorrendo uma trajetória de mais de 40 anos, não se ergue sem um bocado de emoção e até de espanto. Consegues identificar o tipo de sentimento experimentado e suas prováveis ambiguidades?

Teresa Poester – A resposta é longa. São muitos os sentimentos envolvidos, pois esse é o primeiro livro que abrange o conjunto de minha trajetória e não uma exposição específica, como os catálogos anteriores. A parte das imagens da exposição e da performance Até que meus dedos sangrem corresponde a 28 páginas, no início de 264, pois a intenção era abordar a produção como um todo. Isso se faz através da entrevista e, sobretudo, das imagens selecionadas para mostrar os encadeamentos entre as várias fases do meu percurso.  Ao escolher as imagens, senti que existe uma coerência visual nítida nesses desdobramentos. No final de 2018, quando me propuseram a participação no Percurso do artista, que incluía a exposição e o livro, eu estava coincidentemente me aposentando e fiquei muito feliz, pois seria um bonito encerramento de minhas atividades como professora do Instituto de Artes da UFRGS, local que me acolheu quando cheguei de Bagé ainda criança, na Escolinha de Arte que ali funcionava. O IA foi minha primeira casa em Porto Alegre. Esse livro é a primeira publicação mais abrangente sobre meu percurso. Demoramos mais de dois anos para finalizá-la contando uma equipe primorosa. Quanto a rever minha trajetória, venho coletando imagens para teses, dossiês ou sites há muitos anos. Converso com o passado frequentemente, percebo recorrências e ambiguidades que persistem, mesmo não tendo a memória de todos os trabalhos em fotografia, pois muitos foram perdidos ou destruídos. Seleciono as imagens que tenho segundo a finalidade e o suporte de destino. Num livro, uma folha se abre após a outra. Os trabalhos, escolhidos por mim, seguem a sequência de forma cronológica para que o desdobramento de uma fase à outra fique perceptível. Assim, se o livro não contempla a totalidade da minha produção, mostra o longo caminho dedicado ao desenho em suas variadas formas através de uma seleção significativa. Meu maior espanto foi ver o livro impresso pronto, pois ficou um objeto artístico em si. A elegância do projeto gráfico, as imagens coloridas, a escrita fluída dos textos sem resquícios acadêmicos, a entrevista, a cronologia, tudo me surpreendeu pelo cuidado. A equipe da UFRGS fez um trabalho louvável face às dificuldades de impressão que a universidade enfrenta. Só tenho que agradecer.

Foto: Arquivo pessoal

Ainda nessa linha, gostaria que tu comentasses a experiência de fazer trabalhar a memória. Revirar os arquivos certamente trouxe à luz situações, eventos, trabalhos e pessoas que se mantinham à sombra. 

Teresa – Sim, isso aconteceu sobretudo ao escrever e selecionar as imagens para a cronologia. Fui tentando separar certos fatos relevantes e o que me pareceu importante de meu currículo, mas foram escolhas difíceis por abranger um período longo de vida. Foi emocionante mexer nessas memórias afetivas desde criança, lembrar de fatos e pessoas que estão e que não estão no livro, de dificuldades que enfrentei ano após ano num caminho que não foi fácil. Me fez rever muitas dores mas lembrar também das alegrias que a arte me proporcionou: as viagens, os amigos, os amores.  Ter podido viver na Espanha nos anos 1980, época da ebulição artística madrilenha, estar há 25 anos entre a França e o Brasil, com tantos aprendizados. Todos os acontecimentos e pessoas importantes não poderiam ser nomeados, tive que cortar muita coisa para não ficar exaustivo.  Mas esses fatos, professores, colegas, mesmo os não citados na sua maioria, continuam vivos na minha memória e foram lembrados enquanto eu fazia o relato.   A cronologia, ao final do livro, mesmo sendo abreviada, me mostrou como a história de minha vida e minha história como artista estão profundamente imbricadas. 

Nos diferentes textos, mas sobretudo na seleção de imagens, o livro valoriza bastante o processo de criação, a lida cotidiana no ateliê, a experimentação. Como é hoje teu envolvimento com o espaço de trabalho? Há algo como uma rotina ou uma disciplina? 

Teresa – O ateliê em Eragny sur Epte é uma garagem reformada de 22 metros quadrados, em plena campanha normanda. Seu aquecimento é precário. Procuro não utilizar o espaço no inverno. Nesse período, trabalho no bureau dentro de casa, onde faço as edições de vídeo, planejo workshops ou aulas virtuais de desenho, performances, exposições, etc. Nunca fui organizada, faço muitas coisas ao mesmo tempo, mas trabalho todos os dias, mesmo nos fins de semana. Felizmente sempre tenho muito a fazer.  Se não tivesse, acho que inventaria. Quanto ao meu processo de criação, as ideias vão germinando até serem experimentadas no ateliê, como num laboratório. Algumas dão certo e geralmente são mostradas, outras são abandonadas. Trabalho muito com computador, misturando o traço real com o virtual e sobretudo editando vídeos centrados no desenho. Com o inverno e isso de trabalhar com mídias virtuais, passo menos tempo no ateliê, embora seja realmente o lugar onde me sinto mais feliz, sobretudo quando me surpreendo com algo que faço. Trabalho sempre em torno de uma ideia específica, seja individual, seja coletivamente.

Infogravuras, 50 x 50 cm, Foto: Teresa Poester

O livro sugere que teus processos de invenção ocorrem em torno de projetos. Ainda que algumas questões, temas e conceitos se preservem por toda a tua trajetória, parece que projetos pontuais de tempos em tempos te dão uma espécie de norte. É isso mesmo? 

Teresa – Sem dúvida. Os convites para exposições e apresentações com coreógrafos ou músicos me estimulam demais. Receber uma proposta para mostrar num determinado lugar, com determinada finalidade ou com outros artistas me leva a resolver problemas diferentes e enriquecer meus recursos visuais. Há muitos anos que trabalho assim.  Mas, se por um lado, esse tem sido um excelente exercício, por outro, não me sobra tanto tempo para experimentar de forma menos direcionada, o que às vezes faz falta. Sobre os temas e conceitos que me acompanham, a intenção foi mostrar isso no livro através do encadeamento das imagens. Normalmente os temas se preservam, mas de forma diferente a cada vez, como na exposição Até que meus dedos sangrem. A mostra foi concebida na França a partir de fotos do espaço expositivo que eu já conhecia bem. Parto sempre de um espaço e quando entrego um projeto para exposição faço uma simulação quase fiel ao que vou realizar. O impacto da situação no Brasil, naquele momento, não poderia ser ignorado. A lama vermelha das tragédias de Mariana e Brumadinho, a mata queimando na Amazônia e o primeiro discurso de Bolsonaro, então recém-eleito, gritando que nosso país jamais seria vermelho, se aliaram à minha vontade de trabalhar com a mais vibrante e ensolarada das cores. A exposição foi feita em vermelho, unindo o motivo da paisagem à lembrança da floresta Amazônica.  Ou seja, os projetos incluem temas recorrentes em diferentes abordagens. 


Lançamento do livro Até que meus dedos sangrem
Quarta-feira, 13/12/2023, às 19h
Centro Cultural da UFRGS, Campus Central (Av. Paulo Gama, s/n)


Eduardo Veras é crítico e historiador da arte, professor da UFRGS, organizador do livro Até que meus dedos sangrem

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