Ensaio | Parêntese

Fabio Pinto: Distopia portenha, Parte I

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Fabio Pinto: Distopia portenha, Parte I
Uma breve história de O Eternauta e de seu criador, Héctor Germán Oesterheld Se você é do lado de lá do rio da Prata ou leitor de quadrinhos argentinos, provavelmente já ouviu falar de uma certa nevasca radioativa, dos cascarudos, dos gurbos, dos manos, dos homens-robô e dos sinistros Ellos, alienígenas que coordenam uma invasão a Buenos Aires, cercam sobreviventes no estádio do River Plate, destroem a praça do Congresso e outros cartões postais da capital portenha. Esses personagens e cenas sobrevoam o imaginário de diferentes gerações de leitores a partir de sua primeira aparição, entre 1957 e 1959. No início dos anos 80, com o fim da ditadura militar e o surgimento de novas edições de O Eternauta, tornou-se possível perceber que a narrativa distópica em quadrinhos escrita pelo roteirista Héctor Germán Oesterheld era capaz de ir além de seu contexto original de produção e circulação e estabelecer diálogo com o presente. Além do cenário e de personagens com fortes características locais, o gênero, a ficção científica, também colabora para a manutenção desse diálogo.O leitor, que deve estar confinado em casa há quase dois meses por conta de uma pandemia global, há de concordar que essas desconcertadas e conflagradas primeiras décadas do século XXI têm colocado à prova nossa capacidade de espanto. Também deve ter percebido que as distopias de ficção científica talvez estejam hoje mais próximas da realidade do que jamais estiveram. Romances como 1984 (1949), de George Orwell, e Farenheit 451 (1953), de Ray Bradbury, já não impressionam pela inventividade, mas pela verossimilhança. Narrativas como O Eternauta, cujo núcleo é o conflito com o ambiente e com o outro, o estranho, o alienígena, servem como alegorias poderosas para os mais variados tipos de disputas pela sobrevivência. Tão intrigantes quanto os marcianos de H. G. Wells em Guerra dos Mundos (1897), os grandes líderes da invasão a Buenos Aires podem encarnar uma grande variedade de temores humanos, de monstros selvagens a germes e bactérias como a causadora do Covid-19.  A história dos Ellos, inimigos incorpóreos da espécie humana, de seus escravos teleguiados e do grupo que os enfrenta, começa a ser contada na manhã do dia 4 de setembro de 1957, quando chega às bancas de revistas portenhas o primeiro número da revista Hora Cero Semanal, publicação da Editora Frontera, criada pelos irmãos Héctor e Jorge Oesterheld. Héctor já havia adquirido certa fama como roteirista, especialmente por seu trabalho na Editora Abril, de César Civita, e resolveu arriscar-se como empresário do ramo. À primeira vista, o conteúdo de Hora Cero Semanal não era diferente do encontrado em outras publicações do segmento. Os temas são comuns não só em histórias em quadrinhos, mas no cinema e na literatura pop dos anos 50. Os enredos, porém, todos assinados por Héctor e ilustrados por alguns dos desenhistas mais talentosos daquela geração, fugiam do esquematismo maniqueísta, surpreendendo o leitor com histórias como a do Sargento Kirk, oficial de cavalaria que deserta e se torna amigo e irmão de um índio, ou a de […]

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