Ensaio | Parêntese

Jackson Raymundo: Fim da década: o carnaval como expressão de um Brasil em crise

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Jackson Raymundo: Fim da década: o carnaval como expressão de um Brasil em crise Uma das manifestações mais longevas e perenes da cultura brasileira, que, apesar de todas as transformações vividas, resiste aos modismos e à pasteurização fomentada pela indústria cultural, o desfile de escolas de samba expressa ao longo de suas nove décadas de existência as múltiplas relações de poder e as contradições que moldam um país tão vasto e heterogêneo como o Brasil. Em momentos de imposição patriótica, fez-se apologético. Em momentos de abertura democrática, fez-se galhofeiro. Em momentos de protuberância econômica, fez-se peça do mercado. Em momentos de crise política, fez-se contestatório. Alguns períodos da História brasileira, mais do que outros, apresentaram um amálgama profundo entre carnaval e contexto histórico. No início da década de 1940, as escolas de samba do Rio de Janeiro tiveram enredos ufanistas a serviço da mobilização em prol dos combatentes brasileiros na Segunda Guerra. A segunda metade dos anos 1980, por sua vez, expressou a efervescência democrática após duas décadas de ditadura militar na temática das escolas de samba não só do Rio, mas também de cidades como Porto Alegre; linguagem irreverente, crítica política e social, esperança e desilusão, tudo isso constituiu a poética cancional do período. Os anos finais da década de 2010, por fim, viu surgir um novo ciclo crítico no carnaval das escolas de samba. Antes de falar dele, uma breve contextualização do período e seus antecedentes históricos. O segundo decênio do século XXI no Brasil inicia embalado pelo clima de otimismo triunfante que marcou a década anterior, que pode ser simbolizado pela famosa capa da The Economist de novembro de 2009: enquanto o mundo atravessava uma profunda crise econômica, o Brasil era representado pela revista inglesa por meio da imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete e a frase “Brazil takes off” (“Brasil decola”). Nos primeiros anos da década, contudo, o crescimento econômico começa a desacelerar, o que não impede o país de chegar à condição do “pleno emprego” e de os indicadores sociais se mostrarem bastante positivos – ainda mais se comparados aos dias atuais. Em 2013, um conjunto de insatisfações (de intrincada síntese) leva multidões às ruas e faz desabar a popularidade da presidenta Dilma Rousseff, até então a maior da História. Mesmo assim, Dilma é reeleita em 2014 em páreo disputado, sofrendo desde os dias posteriores à sua vitória a oposição ferrenha dos derrotados do pleito presidencial. Estes agregam antigos aliados da coalizão vencedora e aproveitam-se do ambiente antipolítica desencadeado pela operação Lava Jato, criando um clima de instabilidade que acaba por aprofundar os problemas econômicos e sociais, até chegar à consumação do golpe parlamentar de 2016, alçando à presidência o vice Michel Temer, que convida para o ministério diversos próceres das forças derrotadas nas quatro eleições anteriores e aplica um programa econômico ultraliberal. Concomitantemente a isso, cresce uma ofensiva de caráter abertamente reacionário contra a cultura e a educação. Iniciativas legislativas como o “Escola sem partido” buscam tutelar o que é dito em sala de aula contra uma fantasiosa “doutrinação” que seria praticada pelos educadores. Na cultura, […]

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Uma das manifestações mais longevas e perenes da cultura brasileira, que, apesar de todas as transformações vividas, resiste aos modismos e à pasteurização fomentada pela indústria cultural, o desfile de escolas de samba expressa ao longo de suas nove décadas de existência as múltiplas relações de poder e as contradições que moldam um país tão vasto e heterogêneo como o Brasil. Em momentos de imposição patriótica, fez-se apologético. Em momentos de abertura democrática, fez-se galhofeiro. Em momentos de protuberância econômica, fez-se peça do mercado. Em momentos de crise política, fez-se contestatório. Alguns períodos da História brasileira, mais do que outros, apresentaram um amálgama profundo entre carnaval e contexto histórico. No início da década de 1940, as escolas de samba do Rio de Janeiro tiveram enredos ufanistas a serviço da mobilização em prol dos combatentes brasileiros na Segunda Guerra. A segunda metade dos anos 1980, por sua vez, expressou a efervescência democrática após duas décadas de ditadura militar na temática das escolas de samba não só do Rio, mas também de cidades como Porto Alegre; linguagem irreverente, crítica política e social, esperança e desilusão, tudo isso constituiu a poética cancional do período. Os anos finais da década de 2010, por fim, viu surgir um novo ciclo crítico no carnaval das escolas de samba. Antes de falar dele, uma breve contextualização do período e seus antecedentes históricos. O segundo decênio do século XXI no Brasil inicia embalado pelo clima de otimismo triunfante que marcou a década anterior, que pode ser simbolizado pela famosa capa da The Economist de novembro de 2009: enquanto o mundo atravessava uma profunda crise econômica, o Brasil era representado pela revista inglesa por meio da imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete e a frase “Brazil takes off” (“Brasil decola”). Nos primeiros anos da década, contudo, o crescimento econômico começa a desacelerar, o que não impede o país de chegar à condição do “pleno emprego” e de os indicadores sociais se mostrarem bastante positivos – ainda mais se comparados aos dias atuais. Em 2013, um conjunto de insatisfações (de intrincada síntese) leva multidões às ruas e faz desabar a popularidade da presidenta Dilma Rousseff, até então a maior da História. Mesmo assim, Dilma é reeleita em 2014 em páreo disputado, sofrendo desde os dias posteriores à sua vitória a oposição ferrenha dos derrotados do pleito presidencial. Estes agregam antigos aliados da coalizão vencedora e aproveitam-se do ambiente antipolítica desencadeado pela operação Lava Jato, criando um clima de instabilidade que acaba por aprofundar os problemas econômicos e sociais, até chegar à consumação do golpe parlamentar de 2016, alçando à presidência o vice Michel Temer, que convida para o ministério diversos próceres das forças derrotadas nas quatro eleições anteriores e aplica um programa econômico ultraliberal. Concomitantemente a isso, cresce uma ofensiva de caráter abertamente reacionário contra a cultura e a educação. Iniciativas legislativas como o “Escola sem partido” buscam tutelar o que é dito em sala de aula contra uma fantasiosa “doutrinação” que seria praticada pelos educadores. Na cultura, […]

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