Athos Bulcão
Quem quer que pense em Brasília se lembrará facilmente de Oscar Niemeyer (1907-2012), um dos arquitetos atuantes na construção da cidade. As obras de Athos Bulcão (1918-2008), contudo, estão igualmente bastante presentes na capital federal, tendo sido concebidas para existirem não como um excesso ou adorno, mas como formas necessárias aos ambientes. Athos idealizou murais, divisórias e relevos como obras de arte integradas à arquitetura, e seus projetos eram sempre pensados em parceria com os arquitetos, seja nas construções públicas de Niemeyer, seja na rede de hospitais Sarah Kubitschek, projetados por João Filgueiras (1932-2014), e, ainda, em numerosos outros projetos em parceria com outros profissionais.
Filho caçula e temporão de uma família abastada do Rio de Janeiro, Athos Bulcão nasceu em 1918 e perdeu a mãe vitimada por tuberculose quando tinha apenas 4 anos de idade. Foi criado praticamente pelas irmãs, bem mais velhas do que ele, que o habituaram à fruição artística desde cedo, levando-o a peças de teatro e exposições de arte. Na juventude, ele acabaria abandonando o curso de medicina após três anos de frequentação por não se sentir vocacionado à profissão e procurar atender à sua inclinação artística. Esse intuito foi facilitado pelo contato, em 1939, com o artista gaúcho Carlos Scliar (1920-2001), que estava residindo no Rio de Janeiro e abriu a Athos a possibilidade de frequentar o atelier de importantes artistas do período.
Athos Bulcão não teve educação formal como artista. Ele obteve uma bolsa para estudar em Paris, tendo cursado entre 1948 e 1949 um curso de desenho que realizou na Académie de la Grande Chaumière e um curso de serigrafia feito no ateliê de Jean Pons. Com exceção desses cursos breves, seu conhecimento na área se construiu de maneira autodidata e através do contato com outros artistas, como Cândido Portinari, de quem foi assistente, e Burle Marx, cujo atelier frequentou. Em 1957, Oscar Niemeyer o convidou a colaborar com ele nos projetos para a construção de Brasília, e o artista foi, assim, contratado pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), criada pelo presidente Juscelino Kubitschek.
Até a inauguração de Brasília Athos havia colaborado com várias obras de integração à arquitetura em espaços projetados por Niemeyer, tais como um painel revestido por placas de latão dourado para o Palácio da Alvorada, um painel em mármore branco e granito preto para o Congresso Nacional, diversas peças para a Capela do Palácio da Alvorada e várias obras para o Palácio do Itamaraty, que incluem peças para pisos de diferentes espaços do prédio, em materiais diversos e um belíssimo painel divisório treliçado em madeira com chapas metálicas pintadas nas cores vermelha, branca e preta. Nas décadas seguintes, Athos Bulcão continuou colaborando com Niemeyer. Entre 1970 e 2007 o artista criou quase 50 obras para prédios públicos de Brasília projetados pelo arquiteto, segundo inventário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) publicado em 2018. Dentre eles estão os monumentais painéis em alto relevo oco de concreto para as empenas do Teatro Nacional Cláudio Santoro. São 5089 peças distribuídas em duas faces do edifício, cobrindo uma área total de 1.720 metros quadrados. A ideia do artista para esses painéis teria buscado atender ao pedido de Niemeyer que solicitou para o espaço algo que fosse “pesado e leve ao mesmo tempo”. O artista, então, realizou uma obra de formas brancas suspensas, que projetam sombras de acordo com a posição em relação ao sol, nomeando-a como O Sol faz a festa.
Tendo se tornado célebre por conta de seu trabalho de integração da arte à arquitetura, Athos Bulcão produziu, porém, obras em diversos outros suportes e linguagens. Data da década de 1950, após o seu retorno da França, sua série de Fotomontagens, realizada a partir de recorte e colagem de elementos de revistas, cuja composição resultante era fotografada e, por fim, editada em laboratório fotográfico. Nesse mesmo período o artista começou uma série de relevos policromados nomeados como Máscaras, que nessa época foram motivados por seu fascínio pelas máscaras de nações africanas e asiáticas exibidas no Museu do Homem, em Paris, do qual ele havia sido visitante assíduo durante seus estudos na capital francesa. Athos retomou essa série na década de 1970, após assistir a 2001, uma Odisseia no espaço, dirigido por Stanley Kubrick, e surpreender-se com a imagem de um feto que aparece nas cenas finais do filme. O artista seguiu produzindo obras dessa série ao longo das décadas seguintes, até os anos 2000.
A concepção desses trabalhos ocorreu concomitantemente a algumas obras de integração com a arquitetura, como o célebre mural azul que reveste toda a parede externa da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, em Brasília, e o painel de azulejos para o Palace Hotel. Sendo também da década de 1950 a série de capas desenhadas por ele para a Revista Módulo, especializada em arquitetura.
A década de 1970 também foi marcada pela diversidade de experimentações do artista. Athos produz relevos para paredes internas, painéis em diferentes materiais e divisórias para delimitar espaços, tais como o muro escultórico do Salão Verde da Câmara dos Deputados. Além desses trabalhos, ele também faz projetos de estampas para lenços de seda, uma série de pinturas figurativas em acrílica sobre mármore retratando a vida de Nossa Senhora para a Catedral de Brasília, e desenhos de figurinos para peças de teatro encenadas pela Companhia Tablado, do Rio de Janeiro. Athos experimenta, desenha, sobrepõe materiais, compõe através da montagem de elementos.
Embora suas criações pareçam muito diferentes entre si, empregando variadas linguagens e suportes, há uma operação muito própria ao artista e que orienta toda a sua produção: a montagem de elementos que ora se faz por sobreposições, ora por justaposições. Se nas fotomontagens há recortes que se sobrepõem e se combinam mediante o balanço de contraste e luz, em uma série de pinturas acrílicas da década de 1990, vemos uma exímia sobreposição de cores, ressaltando diferentes aspectos de acordo com as cores de fundo. No quadro Jardim florido, por exemplo, observamos diferentes áreas de cor sendo sobrepostas por sinais em cruz em azul, verde e rosa. Dependendo da cor do fundo, cada cruz colorida vibra de um modo diferente.
É por meio da montagem pela justaposição de elementos que o artista obtém as composições de murais de azulejo, como os dois murais realizados em 1953 e em 1995 para o Centro Cultural Missionário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ou os diversos painéis em azulejo feitos para o prédio do Ministério das Relações Exteriores e o da Câmara dos Deputados.
Os hospitais da rede Sarah Kubitschek são um capítulo à parte da produção do artista. Numerosos relevos de parede, divisórias de espaço, painéis e mobiliários foram desenhados por Athos Bulcão para trazer aconchego e ludicidade aos espaços hospitalares projetados por João Filgueiras Lima. O Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek de Brasília foi o primeiro de uma rede de hospitais espalhados em oito capitais brasileiras especializados na reabilitação motora de pacientes. Athos contribuiu com obras para vários desses hospitais, sendo que o de Brasília tem uma presença expressiva delas, com cerca de 29 obras do artista, conforme o inventário do IPHAN. Dentre as obras está o painel com peças pivotantes que contornam a área infantil do hospital conhecida como Escolinha, em cujo centro há uma piscina rodeada por gramado e plantas sob uma grande claraboia, que deixa entrar luz natural. O painel é formado pela sequência de peças verticais ora fixas, ora pivotantes, de cores e padrões geométricos variados, pintados com tinta automotiva sobre fundo branco. No fim da vida, ele foi também um usuário desse espaço hospitalar, pois teve a necessidade de buscar ali tratamento para o Mal de Parkinson de que foi acometido. Mesmo em seus últimos anos e com dificuldades motoras, Athos não deixou de desenhar, passando a exercitar-se no papel com grafite e caneta hidrocor, com o que retomou motivos carnavalescos, que costumava figurar na década de 1940.
Uma amostra bastante variada de obras do artista está atualmente em exposição no Farol Santander de Porto Alegre. De projetos em nanquim e estudos de cor em guache a trechos dos célebres murais em azulejo (incluindo cubos gigantes recobertos por eles na entrada do edifício), a mostra com curadoria de André Severo e Marília Panitz reúne conjuntos representativos das diversas linguagens experimentadas por Athos Bulcão. Aqueles que desejarem ver de perto o pensamento plástico de Athos estendendo-se dos projetos aos espaços em diferentes arranjos e montagens, poderão conferir a exposição até o dia 25 de junho.
Para saber mais:
Inventário da obra de Athos Bulcão em Brasília / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Superintendência do IPHAN no Distrito Federal ; coordenação Sandra Bernardes Ribeiro e Thiago Pereira Perpétuo. – Brasília-DF, 2018. Disponível aqui. Acesso em: 28 mai. 2023.
Catálogo do Acervo da Fundação Athos Bulcão. Org.: Rafaella Tamm, Valéria Maria Lopes Cabral e Vitor Borysow. Editora Fundação Athos Bulcão, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 28 mai. 2023.