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Certo estava o Nemo que fugiu do aquário

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Certo estava o Nemo que fugiu do aquário Foto: Editora Bestiário/Divulgação.

Trabalhando desde 1985 com conteúdo publicitário, sempre prestei muita atenção à reação de jornalistas, artistas e consumidores às minhas ideias – mais do que a opinião dos meus colegas de propaganda.

Acredito que é através de profissionais de fora da sua área que você recebe retornos mais precisos (ou preciosos) sobre o seu possível talento e da sua efetiva atuação.

Um elogio de um arquiteto pode ser bem mais revelador para um diretor de arte do que de outro diretor de arte. Assim como a aprovação de um escritor a um redator é com certeza mais empolgante do que a aprovação de outro redator.

Fiquei muito satisfeito quando, em Sampa, anos atrás, trabalhando na W/Brasil, ao apresentar anúncios para o programa Pergunte ao Tamer do SBT, o próprio Alberto Tamer (um dos mais respeitados jornalistas especializados em editoria econômica – que faleceu em 2013), me perguntou se eu não queria trabalhar na sua equipe de redatores.

Colegas de profissão, de agência, tendem a pensar muito parecido com você – e isso vicia as opiniões. Peixes do mesmo aquário desconhecem na mesma proporção a bacia hidrográfica.

Sem falar, é claro, na questão da rivalidade. Sabe o que Mark Twain disse de Jane Austen? “Cada vez que leio Orgulho e Preconceito tenho ganas de desenterrá-la e golpear a sua cabeça com a sua própria tibia”.

Sabe o que Gore Vidal disse de Ernest Hemingway? “Que outra cultura poderia ter produzido alguém como Hemingway e não perceber a piada?”

Sabe o que Martin Amis disse do Samuel Beckett? “Odeio a prosa de Beckett; cada frase dele é um ataque contra o meu ouvido”.

Sabe o que o Faulkner disse do Henry James? “A velhinha mais encantadora que eu jamais conheci.”

Sabe o que o Truman Capote disse do Jack Kerouac? “Isso não é escrever, é datilografar”.

Sabe o que a Vírgina Woolf disse do James Joyce? “Joyce escrevendo me lembra um colegial repugnante espremendo espinhas”.

Sabe o que Tom Wolfe disse de Normam Mailer, Jonh Updike e Jonh Irving? “Os três patetas”.

Todos os autores aqui citados, os que soltaram maledicências e os que sofreram as maledicências, têm talento e fama de sobra, não precisavam ficar soltando farpas pra lá e pra cá. (Retirei estas frases do divertido livro Escritores contra Escritores, Editora Aleph, organização Albert Angelo.)

A verdade é que, para a maioria dos seus contemporâneos de profissão, você  sempre tenderá a ser um dos grandes patetas. Sem falar nas famosas tendências de mercado.

Seguir tendências é o oposto do que se deve fazer em propaganda: a ideia de uma boa comunicação é diferenciar marcas, não embolá-las em modismos, quase sempre rasos e passageiros.

Um grande amigo, o diretor de arte Roberto Lautert, comentando o gosto que criativos têm por fazer peças publicitárias semelhantes às que aparecem em respeitadas revistas da area como a Archive (“30+ years of the best print campaigns, TV commercials and digital designs from around the world”), lembra que o nome desta grande revista – hoje digital – deixa claro do que se trata: um arquivo, um repositório de ideias já feitas – e, portanto, exemplos do que não pode nem deve ser copiado.  Mas, copiá-las é uma coisa mais comum do que a gente imagina. Assim como é comum um criativo chegar para um diretor de cena e dizer: “quero um comercial tipo aquele da Nike”. Não importa pra muita gente que a Nike recém tenha feito o comercial…

Se você for um profissional relevante, do tipo que foge de tendências e busca se alinhar com os consumidores, com o mundo em geral e não apenas com o universo da comunicação, tenha certeza: a maioria dos seus colegas tende a criticar você. Provavelmente pelas costas.

Não estou aqui (apenas) criando cizânia (aprendi, anos atrás, esta palavra maravilhosa em uma revista do Asterix e não perco a oportunidade de usá-la).  Minha intenção, com estes comentários, é sugerir que criativos da area do conteúdo, da propaganda, do marketing, procurem ouvir sim opiniões  – mas a opinião dos seus clientes, dos seus colegas mais confiáveis, dos seus amigos que seguiram outras carreiras e da sua família (só não vale opinião de mãe – que é sempre tendenciosa).

Também é aconselhável ouvir a opinião dos seu patrões, nem que seja para fingir que as leva a sério. Donos de agência são excelentes… em ser donos de agência – e isso nem sempre tem a ver com a excelência das ideias. Perceber isso não é um desaforo à chefia – pelo contrário. Costumo dizer que o verdadeiro patrão de todo publicitário é o consumidor.

Outra dica boa é procurar insights em revistas como esta, a Parêntese, que discutindo literatura, artes plásticas, teatro, etc, faz pensar a linguagem de forma muito mais provocadora.

Antes de me despedir e agradecer a sua atenção, caríssimo leitor, permita-me confessar: a base deste artigo é um trecho do livro que estou lançando, Confissões de Um Pires, editora Bestiário – comentando experiências minhas no mercado publicitário e dando dicas sobre criatividade.

Não se sinta traído: é apenas a base do artigo – no livro, por exemplo, não conto a história que vivi com o grande Alberto Tamer ou cito o perspicaz comentário do Roberto (Alemão) Lautert.

Nem registrei no livro a comparação que fiz aqui entre agências e aquários. Agências, com suas divisórias de vidro, realmente se parecem com aquários.  Perceber isso, talvez, seja um ótimo alerta: como cantam Os Doces Bárbaros, peixe no aquário nada.

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