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Linhas de cura – Ensaios sobre RAP, negritudes e outras formas de existir

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Linhas de cura – Ensaios sobre RAP, negritudes e outras formas de existir Foto: Lotus Estudio

Publicamos aqui um trecho exclusivo do livro recém lançado de Negra Jaque, Linhas de cura – Ensaios sobre RAP, negritudes e outras formas de existir (Editora Libretos, 2023, 76 páginas). 


Existe uma frase popular que diz que a vida é a arte do encontro. No ano de 1888, em Arles, cidade ao sul da França, Van Gogh aluga uma parte de um prédio de dois andares na tentativa de realização profissional e de busca por transformar aquele espaço de encontro numa escola de arte. A “casa amarela”, eternizada em uma pintura, apresentava-se como um espaço de criação e uma expectativa de combate à solidão e aos transtornos mentais que o artista sofria. O espaço da casa como uma luz em meio à região acinzentada. A promoção e realização de um espaço de encontro apresenta uma utopia possível.

Todo encontro possibilita uma mudança de perspectiva. Assim como “a casa amarela”, a Casa de Hip Hop possibilita encontro. Neste lugar de encontros se coloca em movimento a dança entre vontade (desejo) e criação de algo novo, e um constante recomeçar. Percebo nessa interferência como ação de células, que juntamente com outras células promovem interações e criações contínuas, múltiplas e simultâneas, movimentando nossos ecossistemas individuais e coletivos.

O espaço de criação edificado através das Casas de Hip Hop permite o desenvolvimento de pedagogias culturais e construções socioeducativas. Além disso, torna-se um espaço de manifestações culturais diversas e acessíveis. Concentram saberes, fazeres e práticas sobre a cultura, que é extremamente complexa e contemporânea. No Brasil, há cerca de 30 casas fazendo ações, promovendo a economia criativa e o fazer social em muitos aspectos. No Rio Grande do Sul existem três: a Casa de Cultura Hip Hop de Esteio, a maior casa da América Latina, a Fluência Casa Hip Hop, em Caxias do Sul, e o Galpão Cultural-Casa de Hip Hop, em Porto Alegre, pela qual tive o privilégio de ser umas das fundadoras no início de 2021. Registro também aqui a existência de outros espaços genuinamente de hip hop, como o estúdio de dança do Restinga Crew, o centro cultural Embolamento Cultural no Bairro Rubem Berta, o Alvo Cultural também na zona norte de Poa. Apontar também aqui que é em terras gaúchas que nasce o primeiro Museu do Hip Hop da América Latina, um projeto pioneiro para valorizar a história do Hip Hop no RS. Registrar como marco dessas construções o saudoso espaço do Casulo, na comunidade da Bom Jesus, responsável por promover cidadania e acesso à arte onde o poder público não chegava.

Atuando hoje como coordenadora de um dos territórios, identifico as mais diversas pedagogias culturais existentes nesses processos de transmissão, que fortalecem as narrativas de identidade dessa diáspora negra em um período de extrema violência para a população negra.

Esses territórios de resistência remetem à presença dos griot. Essas aproximações com nossos mestres da cultura hip hop e a forma como ela é transmitida promovem o entendimento de vínculos que embranquecimento nenhum apaga. Buscando, sobretudo, o desejo do fazer, a construção e implementação de territórios que representam a possibilidade de um mundo possível. O encontro de sonhos coletivos, desejos e perspectivas de criação.

É importante salientar que a cultura hip hop por si só é protagonista nesse diálogo com a juventude e há 50 anos influencia gerações e está presente em vários campos, entre eles o cultural, político, econômico e educacional. Essas observações apontam para a urgência de investimento nas práticas e nas pedagogias culturais nesses espaços, de modo a contribuir para criação de políticas públicas para esses campos que dialogam diretamente com a juventude. Mas, dessa vez, com os protagonistas da própria cultura acessando os espaços das universidades e contando suas próprias narrativas.

Eu sou quem escreve minha própria
história e não quem é descrito. Escrever
portanto emerge como um ato político. O
poema ilustra o ato da escrita, como um ato
de tornar-se, enquanto escrevo, eu me torno
a narradora e a escritora da minha própria
realidade, a autora e a autoridade da minha
própria história. Nesse sentido eu me torno
a posição absoluta do que o projeto colonial
determinou. (KILOMBA,2019,p.28)

Após séculos de violência e de ausência, é fundamentalmente decisivo que as populações minorizadas sejam narradoras de suas próprias histórias. Pesquisar sobre a cultura hip hop, um movimento prioritariamente negro e diaspórico, representa produção dos saberes emancipatórios iniciados e orquestrados pelo Movimento Negro, entendedor da importância do discurso e de um lugar de fala político e educacional. Espaços como as casas de hip hop são a concentração desses saberes emancipatórios, representação de uma diáspora viva negra.

Para professora Nilma Lino Gomes (2017), ao escrever sobre o “Movimento Negro Educador”:

Parte-se da premissa de que o movimento Negro, assim como os outros movimentos sociais, ao agir social ressignifica, politiza conceitos sobre si mesmo e sobre a realidade social.

Editora Libretos/Divulgação
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