Crônica | Parêntese

José Falero: Leite derramado

Change Size Text
José Falero: Leite derramado Bah, uma vez eu tava gostando duma mina que tinha grana, e daí caí na asneira de contar prum bruxo meu, nós no bonde, dando um rolê. Mas na mesma hora ele começou a gargalhar, com vontade. Foi imediato. Pareceu até que ele já tava com a gargalhada pronta na garganta, engatilhada, só esperando eu abrir o coração pra vomitar ela em cima de mim. — Ah, não, Zé!— Qualé, meu?— Te liga só, irmão… O palhaço não conseguia nem sequer falar. Tentava começar, mas logo se engasgava e já tava gargalhando de novo, com vontade. Fosse lá o que fosse que ele tinha pensado e que tava tentando me dizer, parecia muito engraçado. Eu, claro, não achei graça nenhuma. Pelo menos não a princípio. — Que arriada, hein, mano? Se eu soubesse que tu ia ficar nessa aí, nem te contava essa fita, nas que é.— Não, sério, olha só, olha só, te liga aqui. Imagina tu levando ela pra conhecer o teu chão lá. Daí, aquela pá de cachorro tudo solto pela rua, andando de bandão, vinte, trinta cachorro. Imagina só o desespero da mina, Zé! E quando a cachorrada parece que vê bichinho no cara, então? Tá ligado? Quando eles já vem cuidando o cara lá de longe, com o olhar venenoso, cheio de maldade, só esperando o cara chegar mais perto pra abrir o bocão a latir: imagina se rola essa cena, tu chegando com a mina! Não, e o pior é que daí é só um deles começar, e o resto vai tudinho na onda, já viu? Tudinho louco de fome, querendo comer o cara vivo, e tu “passa!”, “passa!”, e “te some daqui!”, “te some daqui!”, e não adianta bosta nenhuma. Não sei o que que acontece, os bicho do nada parece que fica tudo louco, como se tu fosse um lobisomem, e é cachorro saindo de baixo dos carro estacionado, é cachorro saindo dos beco, é cachorro saindo de tudo quanto é canto pra te infernizar, e tu apavorado, “passa!”, “passa!”, e “vai te deitar!”, “vai te deitar!”. Imagina, Zé, o desespero da mina! A mina com os olho deste tamanho, se pendurando no teu pescoço, “ai, amor!”, e tu sem saber o que fazer, num suador só, pisando forte no chão, se abaixando e ameaçando pegar pedra, fazendo um bolo, e os cachorro sem carinho contigo, latindo sem arrego, e os malandro no boteco tudo vá risada de ti, e a mina querendo largar fincada, e tu “não corre, amor, que é pior!”. Não, não, e isso aí é só a chegada, isso aí é só a chegada. Imagina depois, vocês dois enfurnados dentro do barraco, mil grau lá dentro, meia hora dando tapa no ventilador pra fazer funcionar, e quando o bagulho finalmente funciona, é ar quente pra todo lado, aquele bafo, parece até um secador de cabelo. A mina acostumada com tela plana, Smart TV, Full HD e o escambau, e aí tu liga aquela tua 14 polegada veia de […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

Bah, uma vez eu tava gostando duma mina que tinha grana, e daí caí na asneira de contar prum bruxo meu, nós no bonde, dando um rolê. Mas na mesma hora ele começou a gargalhar, com vontade. Foi imediato. Pareceu até que ele já tava com a gargalhada pronta na garganta, engatilhada, só esperando eu abrir o coração pra vomitar ela em cima de mim. — Ah, não, Zé!— Qualé, meu?— Te liga só, irmão… O palhaço não conseguia nem sequer falar. Tentava começar, mas logo se engasgava e já tava gargalhando de novo, com vontade. Fosse lá o que fosse que ele tinha pensado e que tava tentando me dizer, parecia muito engraçado. Eu, claro, não achei graça nenhuma. Pelo menos não a princípio. — Que arriada, hein, mano? Se eu soubesse que tu ia ficar nessa aí, nem te contava essa fita, nas que é.— Não, sério, olha só, olha só, te liga aqui. Imagina tu levando ela pra conhecer o teu chão lá. Daí, aquela pá de cachorro tudo solto pela rua, andando de bandão, vinte, trinta cachorro. Imagina só o desespero da mina, Zé! E quando a cachorrada parece que vê bichinho no cara, então? Tá ligado? Quando eles já vem cuidando o cara lá de longe, com o olhar venenoso, cheio de maldade, só esperando o cara chegar mais perto pra abrir o bocão a latir: imagina se rola essa cena, tu chegando com a mina! Não, e o pior é que daí é só um deles começar, e o resto vai tudinho na onda, já viu? Tudinho louco de fome, querendo comer o cara vivo, e tu “passa!”, “passa!”, e “te some daqui!”, “te some daqui!”, e não adianta bosta nenhuma. Não sei o que que acontece, os bicho do nada parece que fica tudo louco, como se tu fosse um lobisomem, e é cachorro saindo de baixo dos carro estacionado, é cachorro saindo dos beco, é cachorro saindo de tudo quanto é canto pra te infernizar, e tu apavorado, “passa!”, “passa!”, e “vai te deitar!”, “vai te deitar!”. Imagina, Zé, o desespero da mina! A mina com os olho deste tamanho, se pendurando no teu pescoço, “ai, amor!”, e tu sem saber o que fazer, num suador só, pisando forte no chão, se abaixando e ameaçando pegar pedra, fazendo um bolo, e os cachorro sem carinho contigo, latindo sem arrego, e os malandro no boteco tudo vá risada de ti, e a mina querendo largar fincada, e tu “não corre, amor, que é pior!”. Não, não, e isso aí é só a chegada, isso aí é só a chegada. Imagina depois, vocês dois enfurnados dentro do barraco, mil grau lá dentro, meia hora dando tapa no ventilador pra fazer funcionar, e quando o bagulho finalmente funciona, é ar quente pra todo lado, aquele bafo, parece até um secador de cabelo. A mina acostumada com tela plana, Smart TV, Full HD e o escambau, e aí tu liga aquela tua 14 polegada veia de […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.