Crônica | Parêntese

Luciano Mello: 13 luas

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Luciano Mello: 13 luas Cheguei há 13 luas. Simbólico. Sim, resolvi contar o tempo por luas cheias, isso dá pouco mais de um ano. Achei que ia chegar cheio de choros e lamentações. O que tive foi um voo silencioso, sem turbulência e, como presente de chegada, um céu de noite cheia de estrelas. Eu sentado à uma da manhã no morro mais alto da cidade, sem acreditar muito que toda aquela segurança pudesse ser real. Era. É.  Quase não há polícia nas ruas e quando aparecem são dóceis, não querem bater em ninguém e não buscam uma pretensa ordem que só exista nas suas próprias cabeças. Quase não ouço televisões ligadas e quando há é algum jogo de futebol, parece que gostam mais do que os brasileiros que gostam. Estou falando de Portugal, mais precisamente do Norte. Nada é perfeito por aqui, nem vim buscar perfeição. Vim movido pela capacidade que os portugueses têm de olhar o outro, perceber, enxergar, amparar, pela possibilidade de viver numa cidade com menos de 150 mil habitantes culturalmente mais equipada do que qualquer capital do Brasil, pela possibilidade de ser visto e ouvido, de ver e ouvir, sem precisar saber quem é o outro. Saber que é outro humano tem bastado. Hordas de brasileiros tem invadido esta região com a lamentável estatística de que a grande maioria não vem procurar o socialismo, mas sim esperar em segurança que o pretenso capitão ignorante, o ditador palhaço, o maluco insensato e seus asseclas doidos matem os vagabundos do Brasil para que eles possam voltar em segurança e retomar seus estranhos rituais de dança em torno de patos amarelos. Há esta grande e vergonhosa ironia.  Mas também festejamos aos abraços quando encontramos brasileiros em situação como a minha: autoexílio. Autoexílio em troca de saúde mental. Eu estava perdendo a humanidade quando decidi, em final de 2016, que sairia do Brasil, o golpe pró Temer recém anunciava a desgraça e o desabamento da nossa frágil democracia. Uns dizem que eu fugi, eu digo que me exilei. Não quero replay de uma infância perdida na velhice que em breve estará comigo. Também não quero nem vou me desligar do Brasil. A luta continua. Encontrei a minha forma de luta através da canção política, tenho escrito e lançado minhas músicas como quem manda cartas ao Brasil. É o que sei e posso fazer agora.  Antes de deixar o Brasil compus uma canção chamada “Cuidado”, uma canção cheia de perguntas básicas, perguntas que certamente o homem de bem, a quem a canção-questionário é endereçada, jamais vai responder: “Que ideia mais maluca você tem de mudar o mundo pelo avesso? O mundo é ruim desde o começo, não venha se chamar de homem de bem / Que ideia sem sentido você tem, de que tudo lhe deve sacrifício? O boi, o peixe, a ave como ofício, enquanto você toma (para si) o que é capaz”. E fecho a canção dizendo que todos esses que elegeram um projeto assassino também devem se cuidar, pois, se o […]

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Cheguei há 13 luas. Simbólico. Sim, resolvi contar o tempo por luas cheias, isso dá pouco mais de um ano. Achei que ia chegar cheio de choros e lamentações. O que tive foi um voo silencioso, sem turbulência e, como presente de chegada, um céu de noite cheia de estrelas. Eu sentado à uma da manhã no morro mais alto da cidade, sem acreditar muito que toda aquela segurança pudesse ser real. Era. É.  Quase não há polícia nas ruas e quando aparecem são dóceis, não querem bater em ninguém e não buscam uma pretensa ordem que só exista nas suas próprias cabeças. Quase não ouço televisões ligadas e quando há é algum jogo de futebol, parece que gostam mais do que os brasileiros que gostam. Estou falando de Portugal, mais precisamente do Norte. Nada é perfeito por aqui, nem vim buscar perfeição. Vim movido pela capacidade que os portugueses têm de olhar o outro, perceber, enxergar, amparar, pela possibilidade de viver numa cidade com menos de 150 mil habitantes culturalmente mais equipada do que qualquer capital do Brasil, pela possibilidade de ser visto e ouvido, de ver e ouvir, sem precisar saber quem é o outro. Saber que é outro humano tem bastado. Hordas de brasileiros tem invadido esta região com a lamentável estatística de que a grande maioria não vem procurar o socialismo, mas sim esperar em segurança que o pretenso capitão ignorante, o ditador palhaço, o maluco insensato e seus asseclas doidos matem os vagabundos do Brasil para que eles possam voltar em segurança e retomar seus estranhos rituais de dança em torno de patos amarelos. Há esta grande e vergonhosa ironia.  Mas também festejamos aos abraços quando encontramos brasileiros em situação como a minha: autoexílio. Autoexílio em troca de saúde mental. Eu estava perdendo a humanidade quando decidi, em final de 2016, que sairia do Brasil, o golpe pró Temer recém anunciava a desgraça e o desabamento da nossa frágil democracia. Uns dizem que eu fugi, eu digo que me exilei. Não quero replay de uma infância perdida na velhice que em breve estará comigo. Também não quero nem vou me desligar do Brasil. A luta continua. Encontrei a minha forma de luta através da canção política, tenho escrito e lançado minhas músicas como quem manda cartas ao Brasil. É o que sei e posso fazer agora.  Antes de deixar o Brasil compus uma canção chamada “Cuidado”, uma canção cheia de perguntas básicas, perguntas que certamente o homem de bem, a quem a canção-questionário é endereçada, jamais vai responder: “Que ideia mais maluca você tem de mudar o mundo pelo avesso? O mundo é ruim desde o começo, não venha se chamar de homem de bem / Que ideia sem sentido você tem, de que tudo lhe deve sacrifício? O boi, o peixe, a ave como ofício, enquanto você toma (para si) o que é capaz”. E fecho a canção dizendo que todos esses que elegeram um projeto assassino também devem se cuidar, pois, se o […]

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