Lugares da Classe Trabalhadora em Porto Alegre 18: A barbearia de Abílio de Nequete
O Partido Comunista no Brasil nasceu no ano de 1922, a partir da organização de antigos militantes livre-pensadores, anarquistas e socialistas, que sofreram a influência da Revolução Russa e passaram a se orientar por novos princípios políticos. A fundação do PCB, porém, foi precedida por um período de intensa mobilização operária, marcado por greves, manifestações e insurreições em todo o Brasil, que começou com a Greve Geral de 1917. A formação de grupos identificados com as ideias da Revolução Russa, que procuravam se inspirar nos preceitos bolchevistas, se iniciou a partir de 1918, e um dos primeiros lugares onde isso aconteceu foi na cidade de Porto Alegre.
Durante a Greve Geral de 1917, o barbeiro libanês Abílio de Nequete teve uma participação destacada, pois na sua loja foi instalado o jornal da Liga de Defesa Popular, que coordenava o movimento grevista. Por conta de suas origens étnicas e religiosas (sua primeira religião foi a Grega Ortodoxa), Nequete sentia um profundo apreço pela Rússia, país que tinha uma grande influência sobre os cristãos do Oriente Médio. Quando os bolchevistas venceram, Nequete transferiu seu afeto para a Rússia Revolucionária, passando a se identificar como maximalista (antiga tradução portuguesa para a palavra “bolchevista”). Durante o ano de 1918, Nequete atuou junto aos anarquistas da União Operária Internacional, mas acabou fundando, em 1º de novembro de 1918, a União Maximalista de Porto Alegre, junto com outros dois operários, o espanhol Francisco Merino e o alemão Otávio Hengist. A União Maximalista lançou um manifesto chamado “Do canhão à peste”, protestando contra os efeitos da Guerra Mundial e da pandemia da Gripe Espanhola sobre a classe trabalhadora, além de declarar que a finalidade da nova associação era apoiar os princípios da Revolução Russa.
A sede da União Maximalista ficava em uma humilde barbearia no Quarto Distrito, na rua Conde de Porto Alegre, quase na esquina da travessa Azevedo. Essa localização ajudou na articulação política da nova associação, pois logo no seu primeiro ano de existência ela conseguiu apoio do Sindicato dos Marceneiros e da União Metalúrgica, que faziam suas reuniões na rua do Parque e na avenida Brasil. Durante esse ano, Nequete e seus companheiros conseguiram atuar de forma coordenada junto aos grupos anarquistas, mas a repressão à Greve Geral de setembro daquele ano provocou uma grande desorganização. Em 1920, ocorrem fortes atritos com os libertários, o que fez com que Nequete procurasse se articular com o movimento comunista internacional; ele passou a se corresponder com os comunistas uruguaios e também com os militantes do Rio de Janeiro. Desta forma, a pequena barbearia da rua Conde de Porto Alegre se tornou a sede do contato da Internacional Comunista no Brasil.
No ano de 1922, Nequete recebeu a incumbência de articular a fundação do Partido Comunista no Brasil, o que fez com que ele se tornasse Secretário-Geral do PCB em abril daquele ano, no Rio de Janeiro. Alguns meses depois, ele voltou para Porto Alegre e, por conta de conflitos internos, se retirou do partido em 1924. Com isso, a sede do PCB na capital deixou de estar localizada na rua Conde de Porto Alegre. Alguns anos depois, o próprio Nequete mudou-se para outro endereço, na avenida Pernambuco. A casa em que ficava a barbearia foi demolida nos anos seguintes e hoje em dia a única coisa que restou naquele local foi um terreno baldio (foto abaixo). Mesmo assim, o lugar ainda tem um peso simbólico para a história da classe trabalhadora do estado e do país, merecendo receber ao menos uma sinalização para demarcar sua importância. Talvez, quem sabe, uma pequena placa onde pudesse figurar uma foice, um martelo e um ramo de cedro.
