Memória

Lugares da Classe Trabalhadora em Porto Alegre 13: A Rua Doutor Flores

Change Size Text
Lugares da Classe Trabalhadora em Porto Alegre 13: A Rua Doutor Flores

A rua Doutor Flores surgiu no início do século XIX como rua Santa Catharina, tendo mudado seu nome para a denominação atual no ano de 1873, para homenagear João da Silva Flores, um destacado médico e político que morava na região. Ao longo do século XIX, a rua se tornou um destino importante para diferentes grupos sociais, por estar próximo de lugares significativos para a comunidade negra e para as comunidades de imigrantes europeus (especialmente alemães); também se tornou um ponto de convergência para diferentes classes sociais, pois a rua Dr. Flores ligava a rua dos Andradas, que era a principal via da capital, com a Voluntários da Pátria, onde surgiam as primeiras fábricas, oficinas e pequenos ateliês. Por ser um espaço onde muitas pessoas circulavam e havia uma forte presença da classe trabalhadora, o logradouro se constituiu em um dos berços do movimento operário na capital do Rio Grande do Sul. 

Os anos 1880 em Porto Alegre foram marcados pela luta em prol da abolição da escravatura e pela propaganda republicana. Também viram nascer um movimento organizado de trabalhadores na capital da província. Na rua Doutor Flores havia dois salões, o Literário e o Cosmopolita, que serviam como ponto de encontro e de agitação para as primeiras associações operárias. O Salão Cosmopolita ficava um pouco acima do beco do Rosário (atual avenida Otávio Rocha), na altura do número 185, e também era conhecido como Salão Roth. Esse era um ponto de encontro dos caixeiros-viajantes desde a fundação de sua associação em 1885, sendo depois o local da fundação e de reunião da Liga Agrícola Industrial e da Sociedade Beneficente Protetora dos Mecânicos em 1889, além da Sociedade Tipográfica Rio-Grandense em 1891. O Salão Literário (também chamado de Salão Preussler e depois de Salão Trein), ficava abaixo do beco do Rosário, do outro lado da rua, correspondendo ao atual número 108. Nesse local foi fundado o primeiro Partido Operário da região, em 1888, foi criado o Centro Operário em 1890 e foi fundada a Allgemeiner Arbeiter Verein, primeira entidade socialdemocrata da capital, em março de 1892. Alguns anos tarde, em janeiro de 1898, esse salão sediou o Congresso Operário Regional. Esse último acontecimento merece um maior destaque, pois foi a primeira vez que entidades sindicais e operárias de diferentes cidades gaúchas se reuniram para debates e planejar o futuro da classe trabalhadora, tendo sido esse um dos primeiros congressos operários do Brasil.

Depois da década de 1890, a rua Doutor Flores foi perdendo importância como ponto de encontro e circulação de militantes operários, tendo sido substituída nessa posição por outros logradouros como a rua Ramiro Barcelos, a rua Comendador Azevedo ou a rua do Parque. Isso se explica, em grande parte, por conta de um deslocamento espacial da classe operária, que passou a se concentrar nos diferentes arrabaldes de Porto Alegre, onde se instalaram as principais fábricas e oficinas da cidade. No começo do século XX, o Salão Cosmopolita foi adquirido pela Sociedade Leopoldina, local de atividades culturais e recreativas; mais tarde, nos anos 1950, o edifício sediou a Importadora Americana, e no final da década de 1970 o prédio foi atingido por um incêndio. O Salão Literário, por sua vez, seria adquirido pela Tipografia do Centro, vinculada à Igreja Católica, se tornando o local de publicação do Deutsches Volksblatt (jornal católico em língua alemã). Por conta dessa vinculação étnica, suas instalações foram depredadas durante as duas guerras mundiais. Mais tarde, em 1956, o prédio foi consumido pelas chamas, sendo definitivamente destruído. Infelizmente, essa história se perdeu com o tempo, e falta na atualidade uma iniciativa que resgata o valor histórico desses lugares. Mesmo assim, a rua Doutor Flores permanece como um espaço popular e frequentado pela classe trabalhadora, como uma presença que ao longo do tempo teima em persistir. 


Frederico Bartz é mestre e doutor em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e trabalha como técnico em assuntos educacionais nessa mesma universidade, onde coordena o curso de extensão Caminhos Operários em Porto Alegre.

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.