Memória

Lugares da Classe Trabalhadora em Porto Alegre 16: A praia dos antinazistas no Navegantes

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Lugares da Classe Trabalhadora em Porto Alegre 16: A praia dos antinazistas no Navegantes

No começo dos anos 1930 o movimento anarquista estava em processo de retração entre a classe trabalhadora porto-alegrense; os libertários mantinham-se ativos a partir de alguns núcleos de militância, em categorias como a dos padeiros e dos canteiros e em alguns locais específicos da cidade, como a antiga Colônia Africana e o bairro Partenon. Na rua Voluntários da Pátria, Friedrich Kniestedt e Elisa Hedwig administravam a Livraria Internacional, que era um dos principais centros de referência cultural para os militantes anarquistas e para os operários de origem alemã que viviam no Floresta e no Quarto Distrito. Em abril de 1931, Friedrich Kniestedt conseguiu reunir representantes de diversas associações beneficentes do bairro dos Navegantes, que atendiam operários de origem germânica, para fundar a Federação das Caixas de Doença e Morte. O objetivo declarado dessa associação era articular e fortalecer as sociedades beneficentes, fazendo com que os próprios trabalhadores financiassem seus tratamentos médicos e serviços funerários, além de promover atividades culturais, recreativas e esportivas. Outro objetivo (esse subentendido) era associar os operários de forma autônoma, afastando-os da influência política dos comunistas e do Governo de Getúlio Vargas, em um momento em que os anarquistas tinham dificuldade de fazer isso através dos sindicatos.

Nos primeiros anos a Federação das Caixas de Doença e Morte conseguiu associar um bom número de trabalhadores, oferecendo convênios com médicos e farmácias, organizando uma biblioteca e até mesmo publicando um “Mitteilungsblat” (Boletim). Sua dinâmica (e sentido) vai mudar em 1933, quando o Partido Nazista assume o poder na Alemanha; a partir desse momento, Friedrich Kniestedt jogou todas as suas energias no combate aos “camisas marrons”, criando a Liga dos Direitos Humanos e fundando o jornal Aktion. Quanto à Federação das Caixas de Doença e Morte, ela acabou servindo como um campo de ação propício para que os militantes antifascistas tentassem afastar os trabalhadores teuto-brasileiros do nazismo. Com esse objetivo, eram realizados no salão da Sociedade Beneficente Navegantes sessões de canto coral, peças de teatro, demonstrações de ginástica e campeonatos de bolão. Outro elemento agregador foi a criação de um balneário público para trabalhadores e trabalhadoras na região dos Navegantes.

O balneário (Strandbad) ficava na rua Frederico Mentz, 1419, sendo que os fundos davam para uma praia fluvial; tratava-se de um terreno que pertencia à empresa de materiais de construção Klafke e Cia., que provavelmente era usado para a extração de areia. A localização era estratégica, pois ficava ao lado da Fábrica Renner e da Rio Guahyba, que eram duas das maiores empresas da cidade naquela época. Esse balneário popular foi criado de forma provisória em 15 de janeiro de 1933, com mais de 3.000 pessoas frequentando a praia nos quatro meses seguintes. Em 15 de novembro daquele ano, o balneário da Federação foi oficialmente inaugurado, com uma festa na praia para mais de 500 pessoas, que contou com a presença de uma banda e onde ocorreram partidas de bolão. A praia ficava aberta das 7 às 19 horas, contando com salva-vidas e estruturas de apoio aos banhistas. Até março de 1934, mais de 700 bilhetes de temporada haviam sido vendidos e mais de 10.000 pessoas haviam passado pelas areias da praia da Federação das Caixas de Doença e Morte.

Em um balanço da temporada de verão de 1933/34, Friedrich Kniestedt afirmava que o sucesso do Balneário mostrava a falsidade das teorias racistas do nazismo, ao promover o convívio saudável de pessoas de diferentes credos e raças em um mesmo local. Com isso podemos depreender que a praia não era de uso exclusivo da comunidade alemã ou dos filiados na Federação; também podemos acreditar que o projeto tinha uma finalidade não apenas recreativa, mas igualmente política. Ao envolver os trabalhadores em espaços de lazer compartilhados por pessoas de diferentes origens, desejava-se criar uma solidariedade que se vinculava à classe e também à vizinhança do bairro operário, rejeitando o exclusivismo étnico. Além disso, o espaço do Balneário se tornava um local de ação antifascista, pois entre jogos e brincadeiras também havia debates e discussões.

Apesar do sucesso, o Balneário deve ter sido desativado nos anos seguintes, pois o movimento antinazista passou a sofrer uma série de boicotes e perseguições, principalmente depois da conjuntura repressiva que se abriu em 1935. Com o passar do tempo, a praia acabou desaparecendo, pois foi aterrada e hoje está sob o leito da Voluntários da Pátria. No terreno do balneário, hoje existe o pátio de uma empresa de ônibus que faz viagens para a região da Campanha Gaúcha.    


Frederico Bartz é mestre e doutor em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e trabalha como técnico em assuntos educacionais nessa mesma universidade, onde coordena o curso de extensão Caminhos Operários em Porto Alegre.

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