Ensaio | Parêntese

MC Cachapuz: O funk da elite (Ou sobre o modo Bird Box na linguagem totalitária)

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MC Cachapuz: O funk da elite (Ou sobre o modo Bird Box na linguagem totalitária) MC Cachapuz “Neném fica de quatro Que o pai te taca a vara No modo Bird Box Com a venda na sua cara” (MC R10) Há músicas que se traduzem como efetiva poesia pela associação natural que promovem entre melodia e letra. Outras, exercem função diversa, servindo à simples diversão dos consumidores, como um produto de venda fácil capaz de conquistar pela repetição do ritmo ou da batida do momento. Existem ainda aquelas que se destinam a um propósito específico, seja para marcar o protesto a algo que se vê estabelecido, seja para expressar o sentimento individual sobre uma realidade particular de vida que possa interessar exclusivamente ao autor da obra – mas que, por algum motivo, acabam gerando identificação a quem as recebem. E há músicas que, por mais inusitado que pareça, pela sua realidade simbólica e plural, abrem ao receptor a oportunidade ampla de interpretação, independentemente do que possam transparecer numa tradução literal. Este é o caso específico da violência simbólica evidenciada na música Modo Bird Box de MC R10.  Quando Hans-Georg Gadamer, no seu Verdade e Método, destaca a necessidade de compreender-se o texto e exercitar-se a hermenêutica – permitindo a interpretação e a aplicação do texto a partir de determinada experiência concreta – a pretensão é a de possibilitar que o todo e qualquer texto se una à tradição para permitir uma outra leitura, associando a experiência trazida pelo intérprete com o que já adquiriu certa herança histórica. A descrição da interpretação, em Gadamer, é tanto a de uma atividade destinada a ler o que é ou o que pode ser novo, como também algo que proporciona uma fusão de horizontes, em que o texto apresenta o sentido agregado e implicado pelas ideias próprias do tradutor. Não muito diferente, em termos mais amplos, é o que Gottlieb Fichte referiu em relação à origem da linguagem e ao desenvolvimento de uma capacidade linguística ao ser humano. Quando se pretende estudar sobre a origem de uma língua formal, não se pode recorrer a meras hipóteses ou a ilações arbitrárias a partir do que se poderia, sob circunstâncias especiais, ter como fonte originária de uma determinada língua. A linguagem é sempre o produto de uma cultura, aberta ao intérprete, devendo se atribuir à natureza da razão humana, segundo Fichte, a necessidade de descobrimento de um significado à sua representação. Se para MC R10, dentro da estética funk (ou fuck), o modo Bird Box não passa de um jogo sexual violento em que resta pressuposta a submissão de uma mulher aos interesses sexuais do parceiro – naturalmente sedutor na visão do autor da obra -, numa possível leitura a partir da obra Origens do Totalitarismo de Hannah Arendt, a desconstrução da música bem poderia remeter à interpretação diversa, em que evidenciada uma representação distinta à cegueira do submisso. Este, que recebe com certo prazer a investida do dominador, é alguém vendado à realidade pressuposta, justamente porque passa a ser reconhecido por quem detém o poder e assume inusitada importância num […]

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MC Cachapuz “Neném fica de quatro Que o pai te taca a vara No modo Bird Box Com a venda na sua cara” (MC R10) Há músicas que se traduzem como efetiva poesia pela associação natural que promovem entre melodia e letra. Outras, exercem função diversa, servindo à simples diversão dos consumidores, como um produto de venda fácil capaz de conquistar pela repetição do ritmo ou da batida do momento. Existem ainda aquelas que se destinam a um propósito específico, seja para marcar o protesto a algo que se vê estabelecido, seja para expressar o sentimento individual sobre uma realidade particular de vida que possa interessar exclusivamente ao autor da obra – mas que, por algum motivo, acabam gerando identificação a quem as recebem. E há músicas que, por mais inusitado que pareça, pela sua realidade simbólica e plural, abrem ao receptor a oportunidade ampla de interpretação, independentemente do que possam transparecer numa tradução literal. Este é o caso específico da violência simbólica evidenciada na música Modo Bird Box de MC R10.  Quando Hans-Georg Gadamer, no seu Verdade e Método, destaca a necessidade de compreender-se o texto e exercitar-se a hermenêutica – permitindo a interpretação e a aplicação do texto a partir de determinada experiência concreta – a pretensão é a de possibilitar que o todo e qualquer texto se una à tradição para permitir uma outra leitura, associando a experiência trazida pelo intérprete com o que já adquiriu certa herança histórica. A descrição da interpretação, em Gadamer, é tanto a de uma atividade destinada a ler o que é ou o que pode ser novo, como também algo que proporciona uma fusão de horizontes, em que o texto apresenta o sentido agregado e implicado pelas ideias próprias do tradutor. Não muito diferente, em termos mais amplos, é o que Gottlieb Fichte referiu em relação à origem da linguagem e ao desenvolvimento de uma capacidade linguística ao ser humano. Quando se pretende estudar sobre a origem de uma língua formal, não se pode recorrer a meras hipóteses ou a ilações arbitrárias a partir do que se poderia, sob circunstâncias especiais, ter como fonte originária de uma determinada língua. A linguagem é sempre o produto de uma cultura, aberta ao intérprete, devendo se atribuir à natureza da razão humana, segundo Fichte, a necessidade de descobrimento de um significado à sua representação. Se para MC R10, dentro da estética funk (ou fuck), o modo Bird Box não passa de um jogo sexual violento em que resta pressuposta a submissão de uma mulher aos interesses sexuais do parceiro – naturalmente sedutor na visão do autor da obra -, numa possível leitura a partir da obra Origens do Totalitarismo de Hannah Arendt, a desconstrução da música bem poderia remeter à interpretação diversa, em que evidenciada uma representação distinta à cegueira do submisso. Este, que recebe com certo prazer a investida do dominador, é alguém vendado à realidade pressuposta, justamente porque passa a ser reconhecido por quem detém o poder e assume inusitada importância num […]

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