Por Karina de Castilhos Lucena Não acho exagero identificar Julián Fuks como um dos escritores mais interessantes de sua geração – essa que está perto dos 40 anos, de classe média confortável e intelectualizada, que passou pela universidade e, em muitos casos, concluiu pós-graduação na área de Letras. Ou seja, um corte bem específico da sociedade brasileira que já não pode ser entendido nem mesmo como a totalidade do meio literário. Aliás, felizmente o campo literário brasileiro vem incorporando as tensões do mundo social também no que diz respeito a classe, raça e gênero do escritor. Cabe perguntar sobre a velocidade dessa incorporação e se os órgãos de maior legitimação (feiras, prêmios, bolsas, etc.) estão atentos à mudança. Quero crer que meu apreço pela escrita de Fuks vai além do gosto pessoal, que seu projeto literário aporta problemas singulares para a tradição literária brasileira. Ele acaba de publicar A ocupação (Companhia das Letras, 2019), romance que faz par com A resistência (Companhia da Letras, 2015), que, por sua vez, dá um salto estético grande em relação à Procura do romance (Record, 2011). No meio disso tudo, ele defendeu tese de doutorado na USP, com o título História abstrata do romance (2016). Nesses quatro textos, é possível identificar o que estou chamando aqui de projeto literário de Fuks: escrita ensaística e cerebral, de cunho memorialístico, precisão na frase de modo a garantir um ritmo narrativo ao mesmo tempo objetivo e delicado. No plano temático, tanto A ocupação quanto A resistência abordam matérias políticas da maior relevância: o direito à moradia negado a brasileiros pobres e a refugiados estrangeiros, no romance de 2019, e a memória da ditadura, no romance anterior. Em ambos os livros, a questão política atravessa a estrutura familiar. Filho de argentinos exilados no Brasil na década de 1970, Fuks parte da história da família para iluminar problemas coletivos. Esse olhar estrangeiro marca a biografia de Fuks e também sua ficção, o que talvez seja traço diferencial em relação à sua geração. Sebastián, o narrador de A ocupação (e também dos romances anteriores de Fuks), visita o antigo Hotel Cambridge, zona central de São Paulo, hoje Ocupação Cambridge, moradia de trabalhadores sem teto; lá ele conhece o cotidiano dos moradores, interessado em suas histórias, que integrarão o livro que está escrevendo. Ao mesmo tempo, tem que lidar com a doença do pai e com o desejo fracassado de ser pai, tudo emoldurado por um Brasil que desmorona. Movendo-se em terreno tão sensível, Fuks poderia ter escorregado em certa postura classe média culpada embora bem-intencionada. Sua narrativa autoanalítica, no entanto, confere vitalidade às personagens na medida em que duvida de sua capacidade de narrá-las; ao relativizar o ponto de vista do narrador, Fuks equilibra bem jogo metaficcional e assunto de interesse geral – vamos combinar, a autoficção pode ser um pouco aborrecida para o leitor não tão interessado nos bastidores da criação literária. Longe de soar pedante, a autorreferencialidade em Fuks está a serviço do leitor. As hesitações do narrador […]
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