Artes Visuais | Reportagens

Fundação Iberê exibe cores, tempos e personagens de Miguel Rio Branco

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Fundação Iberê exibe cores, tempos e personagens de Miguel Rio Branco Foto: Miguel Rio Branco

Um dos artistas visuais brasileiros mais reconhecidos internacionalmente, Miguel Rio Branco exibe As Palavras Cruzadas, Sonhadas, Rasgadas, Roubadas, Usadas, Sangradas na Fundação Iberê. Organizada pelo artista e pelo curador Thyago Nogueira, reunindo mais de 120 fotografias, a exposição foi originalmente apresentada nas sedes do Instituto Moreira Salles em São Paulo (2020-21) e no Rio de Janeiro (2022-23).

“Aqui não tem tantas paredes, você consegue outras conexões quase sem precisar viajar pela exposição. O espaço da Fundação Iberê traz algo mais escultórico para as peças, e como elas são grandes, também é possível vê-las das rampas”, comentou o artista em visita à mostra na véspera da inauguração.

Foto: Miguel Rio Branco

“Rio Branco dedicou sua carreira a construir uma elegia da experiência urbana e coletiva, encenada pelas pessoas que cruzaram seu caminho”, analisa Thyago Nogueira, que é editor da revista ZUM. “Rever suas obras hoje é perceber a potência que desperdiçamos e lidar com um sentimento profundo de melancolia. Mas é também encarar nossas contradições com uma nitidez atordoante e abrir-se à oportunidade corajosa de entender como chegamos até aqui”, completa.

Foto: Miguel Rio Branco

Um dos destaques da mostra é um conjunto de fotografias com preponderância de imagens em preto e branco, incomuns a uma produção caracterizada pelo protagonismo das cores. As mais antigas datam do começo dos anos 1970 e foram produzidas em Nova York. O mesmo grupo de obras inclui imagens da Cidade do México, nos anos 1980, e uma ainda mais recente, com um elemento colorido, também feita em Nova York.

Foto: Miguel Rio Branco

Datas e locais, contudo, estão longe de ser um critério norteador das expografias concebidas por Rio Branco, que prefere composições orientadas por relações formais e simbólicas entre as imagens. Com o passar do tempo, o artista foi explorando cada vez o caráter pictórico de suas fotografias, evidenciando cores, luzes e texturas.

Foto: Miguel Rio Branco

“As imagens que faço não ficam só na questão do documento, apesar de também serem documentos, e faço sequenciamentos e conexões desde sempre. O que some é quando e onde a imagem foi feita e não me interessa mais a questão temática”, observa o artista, traçando um histórico de sua trajetória que remete à série Negativo Sujo (1978) e à instalação Diálogo com Amaú, outro marco de sua carreira, apresentada na 17ª Bienal de São Paulo (1983).

Na visão da curadora Luisa Duarte, que assina um dos textos do catálogo da mostra, Rio Branco conduz as imagens “para um lugar que desvincula a fotografia de uma data e um tempo específicos”. Citando o filósofo Walter Benjamin como chave de leitura para a produção do artista, a curadora observa que “não se trataria de buscar compreender a obra no tempo, mas o tempo na obra”.

Foto: Miguel Rio Branco

Um dos exemplos dessa combinação de tempos e espaços é a instalação Out of Nowhere, concebida originalmente para a Bienal de Havana de 1994 que ocupa uma sala escura com fotografias e espelhos.

“Tinha acabado de fazer um trabalho numa academia de boxe na Lapa, a Academia Santa Rosa, e comecei a fazer uma mistura, decompondo o tema, incluindo imagens de outras épocas e o desmanche dos corpos nos espelhos. Tem uma flutuação entre o real e o fantasmagórico”, recorda Rio Branco.

“Out of Nowhere”, de Miguel Rio Branco. Foto: Instituto Moreira Salles

“De maneira paradoxal, aqui, onde nada parece ser o que a princípio tínhamos sido levados a crer, onde as imagens se configuram antes como enigma do que como esclarecimento, onde o ambiente é de pura penumbra, justo aqui parece habitar algo mais próximo de alguma verdade sobre isso que chamamos, por conhecermos na própria pele, de humanidade”, observa Duarte em relação à Out of Nowhere, um comentário que pode muito bem ser estendido à poética de Rio Branco como um todo.

“Fui atraído por umas situações humanas que me chocavam”

Foto: Miguel Rio Branco

Bisneto do Barão de Rio Branco, tataraneto do Visconde do Rio Branco e neto do cronista e caricaturista J. Carlos (1884-1950), Miguel Rio Branco nasceu em Las Palmas, nas ilhas Canárias, na Espanha, em 1946. A partir dos 3 anos de idade, passou a infância entre as cidades de Buenos Aires, Lisboa e Rio de Janeiro.  

No começo dos anos 1961 e 1963, morou na Suíça, onde estudou e desenvolveu os primeiros trabalhos como ilustrador de um jornal local e cenógrafo de uma peça teatral. Em 1964, fez sua primeira exposição, em Berna (Suíça), apresentando desenhos e pinturas. No mesmo ano, mudou-se com os pais para Nova York, onde estudou fotografia no New York Institute of Photography.

Em 1972, com a morte de sua mãe, Rio Branco retornou ao Rio de Janeiro, onde passou a se dedicar ao cinema como diretor de fotografia e câmera, dirigindo curtas-metragens e fotografando longas. Em 1980, tornou-se correspondente da Magnum Photos. Em 1985, lançou o livro Dulce Sudor Amargo, com um olhar para elementos de sensualidade e vitalidade de Salvador, na Bahia, e para a passagem do tempo na cidade e nos corpos fotografados.

Marcante na publicação, a sensibilidade para a vida nos centros urbanos e seus personagens marginalizados é um dos aspectos mais presentes nas obras de Rio Branco. “Fui atraído por umas situações humanas que me chocavam e que, ao mesmo tempo, me atraíam porque havia uma força vital ali de resistência”, afirma o artista.

“Palavras cruzadas, sonhadas, rasgadas, roubadas, usadas, sangradas”, de Miguel Rio Branco

Onde:
Fundação Iberê (avenida Padre Cacique, 2000 – Cristal – Porto Alegre)
Visitação:
 até 12 de novembro de 2023 
Horários:
 quinta-feira a domingo, das 14h às 18h | às quintas-feiras, a entrada é gratuita; de sexta a domingo, o ingresso custa entre R$10 e R$ 30

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