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“Pulse”: Rogério Nazari e Telmo Lanes atualizam trajetórias no MARGS

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“Pulse”: Rogério Nazari e Telmo Lanes atualizam trajetórias no MARGS Performance "Porquê Choras". Foto: Arquivo pessoal

Em cartaz no MARGS até 14 de maio, a exposição Pulse reúne obras individuais e coautorias dos artistas Rogério Nazari e Telmo Lanes produzidas entre 1976 e 2022. Ocupando quatro espaços do museu, a mostra contempla pinturas, xerografias, fotografias, instalações e registros de performance.

Pulse permite um olhar atualizado pelos debates mais recentes travados no contexto de um mundo pandêmico, atravessado por profunda crise estrutural nos mais variados campos da vida social”, destaca a professora do Instituto de Artes da UFRGS Ana Albani de Carvalho, que divide a curadoria da mostra com o diretor-curador do MARGS, Francisco Dalcol, e a curadora-assistente, Cristina Barros.

Um dos exemplos de atualização de debates é a releitura, produzida em 1986 por Lanes e Nazari, da obra O Remorso (1902), de Pedro Weingärtner (1853-1929). O óleo sobre tela da dupla transforma a paisagem do original, evocando, entre outras leituras, questões ambientais, a partir de uma perspectiva distópica que orientava a atuação dos artistas em meados da década de 1980.

Outro importante resgate da mostra é a sala dedicada à performance Porquê Choras? (1985), realizada na Sala Álvaro Moreyra, no Centro Municipal de Cultura. Na ocasião, Nazari e Lanes mesclaram instalação, pintura e música, acompanhados da banda DeFalla – então formada por Biba Meira, Carlo Pianta e Edu K – e do músico Carlos Palombini. Durante a performance, os artistas manipulavam objetos como toras de madeira, pedras, arame farpado e galhos sobre um tecido branco. Ao final das ações, as cortinas situadas no fundo do palco eram abertas para revelar pinturas de Lanes e Nazari.

“Saíamos de carro em busca de pedras, galhos e outros materiais para a performance. Não sei como tivemos energia para fazer tudo aquilo. Foi uma experiência incrível que hoje está novamente viva no MARGS”, recorda Lanes, que no início de sua carreira integrou o grupo Nervo Óptico (1976-1978) com Carlos Asp, Carlos Pasquetti, Clóvis Dariano, Mara Alvares e Vera Chaves Barcellos.

Para além de uma experimentação mesclando diferentes linguagens, a obra é representativa de uma geração de artistas que atuavam na Porto Alegre dos anos 1980. A performance de Lanes, Nazari, DeFalla e Palombini foi registrada em vídeo, com direção do cineasta Carlos Gerbase e do diretor de fotografia Alex Sernambi e produção de Luciana Tomasi. Sernambi e o fotógrafo Julio Spier foram os cinegrafistas da gravação.

Performance “Porquê Choras”. Foto: Arquivo pessoal

“Naquela época, o Bom Fim estava explodindo. O bar Ocidente tinha aberto há poucos anos e já era uma usina, captando a energia das pessoas e distribuindo para a cidade”, destaca Lanes, descrevendo o contexto que levou às parcerias da performance.

Na mesma linha, o jornalista e curador Leo Felipe, na dissertação de mestrado Rock My Art: ou O Novo Esteticismo de “Porquê Choras?” ou O Dia em que Edu K Entrou para a História da Arte, ressalta: “O primeiro aspecto que possibilitou esse diálogo criativo, o cruzamento de fronteiras entre arte e música pop, foi mesmo territorial, a existência de um espaço onde um determinado grupo pode estabelecer suas relações de trocas. Esse território foi o Bom Fim, com seus lugares de trabalho, lazer e embriaguez: o apartamento de Lanes, o bar Ocidente, o Lola e outros pontos menos lembrados”.

“Assim, o Bom Fim ocupa o mesmo lugar mitológico da Downtown novaiorquina ou da Londres swingante. Pode parecer ingênuo comparar uma periferia cultural e econômica como Porto Alegre a centros tão portentosos, mas acredito que há nesses espaços uma semelhança: a existência de um underground, esse local subterrâneo imaginário onde a arte encontra a marginalidade e suas expressões urbanas”, completa.

“Nada” (1986), de Rogério Nazari e Telmo Lanes

Pulse resgata também a participação de Nazari e Lanes na 19ª Bienal de São Paulo, em 1987. Lanes conta que a participação de brasileiros na mostra curada pela crítica Sheila Leirner se deu por meio de uma seleção de dossiês submetidos pelos artistas. A dupla propôs a apresentação de uma instalação e de 25 pinturas com ênfase figurativa e simbolista, em torno de temas como vida, morte e existência, com aportes de visões pós-punk e dark-góticas que influenciavam Lanes e Nazari à época.

Lanes conta que o projeto deu continuidade a temáticas exploradas em Porquê Choras? e buscou desviar de abordagens hegemônicas nas artes visuais das décadas de 1970 e 1980. “Caímos em temas ligados à tradição ocidental, ao mundo cristão e ao romantismo alemão.” No MARGS, parte dessa produção é apresentada com a recriação do cenário original montado para a Bienal.

Nazari define as coautorias com Lanes como um fruto da convivência e das trocas entre eles. “Discutíamos os temas, fazíamos rascunhos e pintávamos. Quebrávamos o paradigma de que o artista plástico é um ser único e onipotente”, afirma Nazari, que se aproximou de Lanes quando integravam a iniciativa multidisciplinar Espaço N.O. – Centro Alternativo de Cultura (1979-1982).

“Relicário” (2021), de Rogério Nazari

Entre os trabalhos individuais apresentados por Nazari, destaque para Relicário (2021). “Há muito tempo queria fazer uma homenagem a meus amigos gays falecidos em decorrência do HIV”, conta o artista. “O coração é um elemento que há muito tempo pontua meu trabalho, e ultimamente tenho percebido que o desamor está cada vez mais eminente nas relações. Nos últimos quatro anos, enfrentamos uma crise de ódio muito violenta”, completa Nazari.

“Aventura Inerte” (1977), de Telmo Lanes. Foto: Vera Chaves Barcellos

Pulse ainda apresenta obras de Lanes que exploram o corpo humano como elemento central, como Aventura Inerte (1977) e trabalhos que resultaram do cultivo de uma unha. “Sempre gostei muito da cultura popular. Na época, era comum ver motoristas e cobradores de ônibus com a unha comprida. Aquilo me cativava”, diverte-se Lanes. “Cultivei a unha até chegar num bom tamanho, 2,5 centímetros, e criei uma escultura a partir do corpo humano. É uma expressão popular que virou obra de arte”, completa.

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