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A confusão e a lucidez de Bergman

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A confusão e a lucidez de Bergman
Mil novecentos e cinquenta e sete. De toda a longeva e prolífica carreira do cineasta Ingmar Bergman (1918 – 2007), a realizadora Jane Magnusson selecionou aquele ano como a espinha dorsal da narrativa de seu documentário sobre o centenário do mestre sueco. A escolha não foi aleatória: em 1957, o diretor lançou no cinema duas de suas principais obras-primas, O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, além de ter rodado um telefilme, dirigido dois espetáculos teatrais gigantescos e duas produções radiofônicas e filmado No Limiar da Vida, longa lançado em 1958. Isso sem esquecer uma ciranda amorosa que alternava esposas, amantes e flertes com as atrizes de seus trabalhos. A partir desse ano intenso na vida do chamado “cineasta da alma”, Bergman – 100 Anos ilumina para trás e para a frente a trajetória artística e pessoal de um dos maiores nomes da sétima arte. Exibido em maio no Festival de Cannes, o doc da diretora sueca sobre seu venerável conterrâneo estreou em Porto Alegre na quinta-feira passada (12/7), em consonância com restrospectivas da obra de Ingmar Bergman nos cinemas e em canais de televisão. Bergman – 100 Anos faz parte de um projeto maior, que inclui uma série de quatro horas condensando mais de 400 horas de material produzido ou examinado por Jane Magnusson. Nas duas horas do filme atualmente em cartaz na Capital, a documentarista traça um perfil que está longe do panegírico: se Bergman – 100 Anos louva por meio de raras imagens de época de bastidores e depoimentos de antigos colegas de trabalho a maestria do criador de títulos como A Fonte da Donzela (1960), Persona (1966), Gritos e Sussurros (1972), Sonata de Outono (1978) e Fanny & Alexander (1982), também lança luz nas zonas obscuras da biografia de seu personagem. Os fantasmas de Bergman desfilam pela tela como a célebre danse macabre do final de O Sétimo Selo: a turbulenta ligação com o pai, um rigoroso pastor protestante, e o irmão mais velho, como quem vivia em permanente disputa; as inseguranças da adolescência com a escola e o universo feminino; o fascínio confesso na juventude por Hitler e o nazismo; as neuroses e problemas de saúde de fundo psicológico; a patológica infidelidade amorosa e o relacionamento abusivo e mesmo violento com as mulheres; a obsessão pelo trabalho; a completa ausência como pai na vida de seus filhos; a acusação de fraude fiscal que o motivou a abandonar a Suécia durante alguns anos; o autoritarismo controlador que culminou na velhice com a humilhação pública de um jovem e promissor ator e diretor, ao lado de quem montava a peça sintomaticamente chamada O Misantropo. Apesar de tirar do armário todos esses esqueletos, Bergman – 100 Anos não tem a intenção de explorar de maneira sensacionalista a figura desse gênio do cinema. Na verdade, é quase ao contrário disso: ao expor as mesquinharias, contradições e falhas de caráter de Ingmar Bergman, o documentário humaniza esse artista gigantesco e o aproxima dos meros mortais, admirados a partir daí com a […]

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