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A ignorância é uma bênção

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A ignorância é uma bênção
Gosto de sacar esse dito ironicamente quando deparo com alguma novidade cujo caráter me desanima, ou com uma informação reveladora exasperante ou ultrajante, às vezes uma inconfidência constrangedora repartida comigo à minha revelia. “A ignorância é uma bênção”, retruco jocosamente para o interlocutor diante daquela notícia que me derruba os butiás do bolso, fingindo preferir não saber o que se passa ao meu redor. Nos últimos tempos, porém, a frase vem sendo assumida ao pé da letra em seu sentido por cada vez mais pessoas, especialmente no Brasil: a estupidez está na moda, e desconhecer as coisas não é mais motivo de vergonha – ao contrário, arrota-se burrice hoje em alto e bom som, como se fosse virtude. “A ignorância é uma bênção!”, orgulham-se eles sorridentes, muitos pontuando a declaração com um devoto amém. A onda conservadora que vem se erguendo em várias partes do mundo, inclusive em países há muito tidos como seguros rincões dos valores iluministas, encontrou no Brasil de alguns anos para cá uma circunstância favorável a sua disseminação – a ponto dessa maré cheia engolfar agora o governo federal e trazer-nos à tona algumas de suas mais deploráveis faces: o ódio às minorias e aos grupos sociais vulneráveis, o desprezo pelas políticas voltadas aos despossuídos, o elogio da violência institucional, o puritanismo moral, a sujeição das instâncias seculares ao crivo da religião, o anti-intelectualismo, a animosidade com relação às artes. Apesar de sempre chocantes e desanimadoras, essas e outras manifestações obscurantistas não são mais novidade entre nós, infelizmente – pior: corre-se o risco de naturalizarmos esse estado de coisas e anestesiarmos nossa indignação, tamanha a eloquência, a variedade e a recorrência desses episódios, que dão lastro ao cenário trevoso pelo qual passamos. Como não poderia ser diferente, esse quadro reflete-se também na gestão pública da cultura. Nestes primeiros dias de novos governos no Brasil, dois movimentos administrativos apontam encaminhamentos radicalmente opostos para a área: em nível federal, o Ministério da Cultura foi extinto, reduzindo-se a secretaria subordinada ao Ministério da Cidadania; aqui no Rio Grande do Sul, a Secretaria de Estado da Cultura foi recriada, depois de ter sido fundida pelo governo anterior em uma pasta que juntava ainda Turismo, Esporte e Lazer, a Sedactel. A priori, salvaguardar o status de ministério ou secretaria autônomos para determinado tema não é garantia de que esse assunto receberá um tratamento adequado – uma incerteza em particular corriqueira no Brasil. Já estamos cansados de assistir à criação – e à extinção – de órgãos cuja missão seria cuidar com atenção de determinada questão, mas cuja existência na verdade foi apenas pífia, supérflua ou serviu apenas para criar cargos como moeda de barganha política ou ainda desviar recursos dos cofres públicos. A competência dos gestores, o respaldo político do governo a essas administrações específicas e o montante de verbas disponibilizado são fatores tão ou até mais importantes para o êxito de uma pasta do que o fato de ela ser ou não distinguida como um ministério ou uma secretaria exclusivos. […]

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