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Cataclisma íntimo

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Cataclisma íntimo
Um livro não muda o mundo, um filme não provoca a revolução, um disco não salva uma vida. A arte almeja ardentemente ser capaz de tudo isso, mas no fundo sabe que sua ação é bem menos espalhafatosa – e talvez por isso mais eficaz. Um livro, um filme e um disco podem nos comover, mas eles em geral não mudam a existência, que vai seguir em sua “normalidade” com Temer na presidência e os imbecis pregando o fechamento das mostras de arte. O que muitos desprezam ou ignoram é a permanência dos efeitos colaterais da exposição à grande arte, que são capazes de marcar indelevelmente o espírito daqueles que possuem algum. O mais recente tremor estético a me sacudir foi a audição do novo disco de Vitor Ramil, que teve réplica no último final de semana com o show de lançamento em Porto Alegre. Muitos já comentaram a respeito de Campos Neutrais, inclusive meu guru Juarez Fonseca, crítico musical de julgamento criterioso e exato. Pior para mim, que não quero deixar de dar meu depoimento sobre esse trabalho excepcional de um dos maiores artistas brasileiros da atualidade. O 11º álbum do cantor, compositor, violonista e escritor talvez seja o mais coeso de uma carreira artística sempre ascendente e de altíssima qualidade. Acompanhando-se ao violão, Vitor levou para o palco do Theatro São Pedro a singular formação musical que serviu de base para a gravação em estúdio, representada pelos percussionistas argentinos Santiago Vazquez e Facundo Guevara, mais o Quinteto Porto Alegre – integrado por Flavio Gabriel (trompete), Natanael Thomas (trompete), Nadabe Thomas (trompa), José Milton Vieira (trombone) e Jhonatas Soares (tuba). O repertório de Campos Neutrais, com 15 canções inéditas de Vitor, foi apresentado integralmente no concerto – são oito de autoria própria e cinco escritas em parceria com Chico César (Olho d’Água, Água d’Olho), Zeca Baleiro (Labirinto), a poeta pelotense Angélica Freitas (Stradivarius), o poeta português Antonio Bótto (Se Eu Fosse Alguém – Cantiga) e o poeta paraense Joãozinho Gomes (Contraposto), além de versões para músicas de Bob Dylan (Ana / Sara) e do galego Xöel Lopez (Terra / Tierra). Dois dos convidados do disco também participaram do show: a cantora e compositora Gutcha e o guitarrista Felipe Zancanaro, membro da banda Apanhador Só. Campos Neutrais mostra tanto o Vitor Ramil mais lírico, em temas como Isabel, Terra e Ana, quanto o experimental, caso de Stradivarius, Hermengildo e, especialmente, Palavra Desordem – cujas dissonâncias estabelecem um diálogo curioso com Derivacivilização, mais recente disco de Ian Ramil, filho do mestre. Há espaço também para influências de Beatles (SatolepFieldsForever e Angel Station), do pop latino-americano (Lado Montaña, Lado Mar) e da sempre presente milonga (Duerme, Montevideo). Ao vivo, a sonoridade peculiar do álbum ganha ainda mais relevo: à frente do palco, dividindo o protagonismo com o intérprete, os percussionistas marcam o pulso e adornam as canções com uma miríade de sugestões sonoras; atrás, o quinteto de metais providencia o lastro musical, soando ora como uma banda marcial, ora como um conjunto […]

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