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Mulheres tocando o terror

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Mulheres tocando o terror
A turma do Filmes do Caixote é responsável por alguns dos mais instigantes títulos do cinema brasileiro dos últimos tempos. O novo longa-metragem dirigido por dois de seus mais destacados integrantes, a dupla Juliana Rojas e Marco Dutra, acaba de entrar em cartaz no país: As Boas Maneiras, exibido pela primeira vez no Festival de Locarno de 2017, onde recebeu o Leopardo de Prata – segundo prêmio mais importante do certame suíço, concedido pelo júri oficial presidido pelo cineasta e crítico francês Olivier Assayas. Desde então, o filme fez uma premiada carreira em festivais internacionais e ganhou elogios da prestigiada revista especializada Cahiers du Cinéma – na França, aliás, onde estreou com mais de 60 cópias, a produção está em cartaz desde março. A mistura de gêneros, uma característica comum a curtas e longas assinados pelo Filmes do Caixote, também está presente em As Boas Maneiras: trata-se de uma fábula de horror e fantasia – mas também é um drama realista sobre marginalização social e segregação racial, um romance entre mulheres, um melodrama sobre maternidade incondicional e de vez em quando até um musical. Na trama, Clara (Isabél Zuaa) é uma enfermeira da periferia de São Paulo contratada para ser a futura babá do filho que a patricinha Ana (Marjorie Estiano) está esperando. No começo, o relacionamento entre patroa e empregada reproduz a vergonhosa exploração e desfaçatez que caracteriza o tratamento dispensado aos mais pobres pelos privilegiados no Brasil. Aos poucos, porém, um sentimento comum de solidão e desamparo aproxima a filha de fazendeiro e garota de passado nebuloso da negra diarista – que é a única pessoa com quem Ana de fato encontra alguma escuta. No entanto, os estranhos hábitos notívagos e os sonambulismos de Ana vão culminar em uma noite de lua cheia em que um terrível evento levará Clara a assumir a maternidade de uma criança diferente das outras. A partir daí, As Boas Maneiras aponta o rumo da narrativa explicitamente em direção ao terror, adaptando o mito do lobisomem para o ambiente suburbano paulistano e para a moldura de uma relação amorosa e de confiança entre mãe e filho. Nesse segundo ato, a crítica social e racial e o romance lésbico, motores da primeira parte do filme, são colocados de lado em prol do novo foco de interesse dramático. Se em Trabalhar Cansa (2011), longa anterior de Marco Dutra e Juliana Rojas, a utilização do fantástico como estratégia de abordagem alegórica da realidade brasileira parece mais orgânica e eficaz, em As Boas Maneiras o trânsito entre os diferentes registros não tem a mesma fluência, apequenando a narrativa no final das contas às regras do filme de gênero. As Boas Maneiras tem produção caprichada, em que se sobressaem os efeitos visuais convincentes e a maquiagem cuidadosa. Merecem destaque também a fotografia do premiado português Rui Poças (de filmes como O Ornitólogo, Tabu, Aquele Querido Mês de Agosto e Zama) e a montagem de Caetano Gotardo – diretor do longa O Que se Move (2013), mais uma produção […]

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