Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

Ripley is back

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Ripley is back Netflix/Divulgação
Estimades leitores, a minha, a sua, a nossa Netflix aprontou uma das melhores versões do sujeito sem moral nem bons costumes criado pela escritora Patricia Highsmith e já filmado algumas vezes, Tom Ripley. Até agora o meu favorito era o Ripley feito por Wim Wenders, em que o Tom Ripley encarnado por Dennis Hopper inferniza o modesto emoldurador Bruno Ganz. O filme se chama O Amigo Americano, é de 1977, e eu daria um jeito de ver, se fosse um dos meus estimades leitores. Acho que segue sendo o meu Ripley favorito, porque Hopper e Wenders dão a ele o tom sarcástico que eu acho que seria o preferido pela Patricia Highsmith sobre o sombrio dessanova série. Ou o sei lá o quê do Matt Damon no filme O Talentoso Ripley, de 1999, que achei indigno da nada nobre estirpe dos Ripleys autênticos. Mas a série, estimades leitores, é muito pra lá de boa. Ripley acerta no preto e branco, se passa em 1961, e nos mostra o surgimento do Tom Ripley, desde o seu começo insípido em uma Nova York que o ignora, enquanto ele dá os seus pequenos golpes sem muito sucesso. O ator é o ótimo Andrew Scott, imortalizado como o padre católico da segunda temporada de Fleabag, tendo sido também o James Moriarty – inimigo número um de Sherlock Holmes na série de sucesso com Benedict Cumberbatch como o famoso detetive. Ainda temos o Johnny Flynn, de quem a gente se acostumou a gostar como o doce e inviável amoroso em Lovesick, da Netflix (se passa na Escócia, e é uma delícia de ver, portanto, vejam). Flynn faz o personagem rico e inconsequente Dickie Greenleaf, que comete o erro de despertar a cobiça em um sociopata, o que raramente termina bem para a vítima. Não sei o que os meus leitores acham do neorrealismo italiano, mas esse que vos atormenta gosta, pra valer. Ripley se joga no clima da Itália do pós-guerra, e o resultado é glorioso. As cenas realizadas no Sul italiano, na costa rochosa, nas cidades mergulhadas no charme bagunçado e belo da Campânia são pra deixar a gente zonzo enquanto assiste. Basicamente, o que a gente vê é o surgimento de um personagem que vai navegar pelo mundo sem nenhum sentimento de culpa, enquanto tenta suprir a sua sensação de inferioridade com belezas que ele vai adquirir com dinheiro de outros, obtido como der. Tom Ripley tem o ar enigmático de quem não sabe de verdade o que está pensando, e age sem precisar saber o que faz, por que faz e o que isso representa. Ele acredita que vai se safar sempre, e não necessariamente por mérito seu, mas por desatenção do mundo. Sujeitos como Dickie Greeleaf descobrem, tarde demais, que a sua riqueza os protege de quase tudo, das leis, das punições, das dores da vida, mas não de um Tom Ripley. Sujeitos como Tom descobrem que o mundo é feito de sombras, e quem souber andar por elas pode ir […]

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