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Um dia, um disco: “LA LEYENDA DEL TIEMPO” (1979) – CAMARÓN DE LA ISLA, Espanha

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Um dia, um disco: “LA LEYENDA DEL TIEMPO” (1979) – CAMARÓN DE LA ISLA, Espanha
Eu e muita gente no Brasil conhecemos o Camarón de la Isla na última coisa boa que o bosta do Fagner fez: o LP Traducirse, de 1981. Tinha eu meus 12 anos de idade… e o que não tinha condições de saber é que fazia só dois anos que o Camarón – nascido em Cádiz, sob nome de José Monge Cruz -, em seu DÉCIMO disco, tinha resolvido chutar o pau da barraca da música flamenca. Seus nove trabalhos anteriores – o primeiro, de 1969 – tinham sido a duo com o Paco de Lucía, que eu também já amava, e estavam na ponta da tradição do cante e guitarra gitano. Mas La Leyenda del Tiempo é um salto sem vara – como Paco também faria em seus álbuns instrumentais a partir dessa mesma época, mas ambos sem nunca “perder o duende” do gênero mais arrebatado da música europeia. (Europeia, numas, né? Porque o flamenco é tanto das duas margens daquela parte do Mediterrâneo, África árabe e Europa, como o tango é das duas margens do Rio da Prata, Buenos Aires e Montevidéu). O disco todo é um alumbramento. Metade das músicas são sobre poemas do García Lorca musicados pelo produtor do disco, Ricardo Pachón, e pelo “punk” do flamenco Kiko Veneno. Outros temas são só de Kiko e tem até uma parceria dele com o Omar Khayyam, poeta persa do ano 1000. O contexto: aos 29 anos, cantaor profissional desde os 14 – e desde muito antes o pequeno ciganinho já cantava na rua, por trocados, ou em casa, com sua mãe cantaora amadora -, Camarón já era considerado a maior voz do flamenco. Só que o gênero é tão apaixonado e arrebatado quanto avesso a inovações. Sabe gauchismo, blues ou hard rock? Pois é. Isso. Mas, se La Leyenda del Tiempo abre com a música-título (García Lorca / Pachón) um jaleo, bem na tradição, guitarra flamenca e palmas, em poucos segundos entram um piano Rhodes, baixo e bateria, e o gênero nunca mais seria o mesmo. Quando começa o coro tu já tá rendido. Daí vem Camarón, com aquela voz ao mesmo tempo tão característica do estilo e tão particular. Solo de guitarra flamenca do Tomatito – que seguiria com ele, primeiro em dupla com o Paco, depois na missão impossível de substituí-lo -, volta Camarón, solo de Rhodes, Camarón e vamos até um solo final… de moog! Tudo isso só na PRIMEIRA faixa de um disco que fecha com voz, órgão e… sitar indiano! Da onde?!??! Ora, ora, nada é por acaso: afinal foi da Índia que, 1.500 anos atrás, os ciganos partiram com sua cultura mundo afora. Apesar de metade do álbum ser no clima vozes/guitarras/palmas, a outra metade – solos de guitarra elétrica distorcida, moogs viajandões, jazz fusion setentão da banda Alameda espalhada pelas bases – fez com que fosse campeão de devolução nas lojas, uma espécie de Araçá Azul do flamenco. Só que, ao contrário do Araçá caetânico, ele tanto desagradou multidões quanto encantou […]

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