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Bressane revê Machado em “Capitu e o Capítulo”

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Bressane revê Machado em “Capitu e o Capítulo” Viviane D'Ávila, Pandora Filmes/Divulgação

Um dos maiores clássicos da literatura brasileira, Dom Casmurro ganha uma nova leitura cinematográfica experimental pelo olhar do diretor Julio Bressane. Em Capitu e o Capítulo (2021), o cineasta parte do que há de mais visual em Machado de Assis (1839 – 1908) para divagar de maneira fragmentária sobre desejo e ciúme, paixão e devaneio, poesia e música, língua e arte.

No filme, Mariana Ximenes encarna a célebre Capitu do romance machadiano, cujos “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” seduzem o jovem Bentinho (Vladimir Brichta) – que anos mais tarde, na maturidade, narra toda a história, assumindo o apelido de Casmurro (Enrique Diaz).

Pandora Filmes/Divulgação

Os sentimentos por Capitu começam a mudar depois do nascimento do filho do casal: Bentinho desconfia que o verdadeiro pai seja seu melhor amigo, Escobar (Saulo Rodrigues), casado com Sancha (Djin Sganzerla), amiga de Capitu. O que era amor torna-se então ciúme doentio, afundando o protagonista em delírios e especulações.

“A trama machadiana, distorcida, é transpassada por cenas, trechos, farrapos de filmes e texturas que se desdobram em capítulos de uma ficção escondida, ainda não vista, que se desvela, e recomeça em outro solo, em outro cosmos”, argumenta Bresssane.

Pandora Filmes/Divulgação

Pandora Filmes/Divulgação

O título parte de um pequeno poema que Haroldo de Campos (1929 – 2003) declamou ao diretor e roteirista em 1984: “‘O importante no Dom Casmurro não é a Capitu, mas o capítulo’, disse-me. Capitu/Capítulo, esse breve e lapidar poema, logo que o ouvi pela primeira vez, fiquei enfeitiçado, possuído por sua brevidade musical. Porém, naquele momento, não percebi, não alcancei, não compreendi toda sua extensão”.

A partir dessa abordagem apresentada pelo poeta e tradutor, Bressane viu a possibilidade debruçar-se novamente sobre a obra de Machado, como já fizera no filme Brás Cubas (1985). “A prosa capitular sugere a montagem cinematográfica. Os capítulos são retalhos de outros capítulos, de outras ficções, de outros recomeços, traço apagado de um perfil”, comenta o realizador sobre Dom Casmurro.

Pandora Filmes/Divulgação

Com a fotografia assinada por Lucas Barbi, Capitu e o Capítulo encontra na pintura um de seus principais diálogos. As flores, presentes em vários desses quadros, reverberam no filme para além das molduras, surgindo também em arranjos e estampas de vestidos, tornando-se um forte elemento icônico em cena. “Seu cuidado e delicadeza têm vida no drama que diante delas se desenvolve. Nos arranjos florais a cor das pétalas mais constante, privilegiada, é a cor roxa. Há no português falado no Brasil a expressão popular ‘roxo de ciúme’”, explica Bressane.

Pandora Filmes/Divulgação

A música, por sua vez, é outro elemento importante em Capitu e o Capítulo. “A trilha é feita da contribuição dos sons provenientes do instante da gravação da própria cena. Longos silêncios, pios de pássaros, passos, abalos sísmicos, trovões, castanholas, gotejar da água, roçar do vento, rangidos de madeira seca, o fervor das ondas revoltas do mar, a sonoridade de certas palavras, a sonoridade de certas imagens, cordas da viola e do violino, o samba na voz grave de Jamelão, toda essa colcha sonora de retalhos compõe a música do filme”, conclui o veterano diretor de filmes notáveis e inventivos como O Anjo Nasceu (1969), Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), Sermões –A História de Antônio Vieira (1989) e Filme de Amor (2003).

Pandora Filmes/Divulgação

Capitu e o Capítulo: * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Capitu e o Capítulo: 

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