Artigos | Cinema

“O Acontecimento” expõe o horror do aborto clandestino

Change Size Text
“O Acontecimento” expõe o horror do aborto clandestino Zeta Filmes/Divulgação

Premiado com o Leão de Ouro de melhor filme no Festival de Veneza de 2021, o impactante O Acontecimento (2021) entra em cartaz nesta quinta-feira (7/7). Exibido na programação da recém-encerrada edição deste ano do Festival Varilux de Cinema Francês, o longa é ambientado no começo dos anos 1960, mas aborda um tema absolutamente contemporâneo: o sofrimento das mulheres que querem abortar, mas vivem em um lugar onde esse procedimento é ilegal.

Baseado no livro homônimo de memórias da escritora francesa Annie Ernaux, editado no Brasil, O Acontecimento acompanha o excruciante calvário enfrentado por Anne (Anamaria Vartolomei), uma jovem que descobre estar grávida e decide abortar para terminar os estudos e assim escapar das restrições sociais e econômicas de uma família de trabalhadores provincianos. Mas na França de 1963, o aborto ainda era ilegal, sujeito à prisão tanto da gestante quanto de quem fizesse a interrupção da gravidez, e a garota se vê desamparada, sozinha e amedrontada, abandonada por todos: o rapaz que a engravidou, as colegas de liceu, os médicos. Enquanto busca uma solução, Anne acompanha angustiada a evolução da gestação e o tempo correndo contra ela.

Zeta Filmes/Divulgação

O filme é protagonizado pela atriz franco-romena Anamaria Vartolomei, ganhadora do prêmio César de “melhor esperança feminina” pelo papel no filme dirigido por Audrey Diwan. O elenco de O Acontecimento inclui ainda nomes de destaque do cinema francês contemporâneo como Pio Marmaï e Sandrine Bonnaire.

“Eu queria tanto respeitar o livro quanto encontrar meu próprio lugar nele, um caminho estreito, mas essencial. Primeiro, passamos um dia juntas, durante o qual Annie Ernaux concordou em revisitar esses dias em detalhes. Ela lançou luz sobre os pontos cegos no texto para me dar uma ideia mais precisa do contexto político, para que eu pudesse entender o medo que tomou conta das mulheres no momento de decisão. Quando Annie Ernaux chegou no exato momento de seu aborto, seus olhos se encheram de lágrimas, ao se lembrar do que a sociedade havia forçado a ela quando jovem. Eu estava inquieta com a intensidade de sua dor. Frequentemente lembrei disso, enquanto escrevia. E então eu pedi a ela para ler os vários rascunhos do roteiro. Ela me ajudou a encontrar uma abordagem mais honesta”, explicou a diretora e roteirista francesa de origem libanesa.

A diretora Audrey Diwan. Zeta Filmes/Divulgação

Já a escritora Annie Ernaux escreveu sobre seus sentimentos e impressões depois de ver na tela o drama pessoal que descrevera antes no papel: “Saí da exibição de O Acontecimento muito emocionada. A única coisa que eu poderia dizer para Audrey Diwan foi: ‘Você fez um filme verídico’. Por verdadeiro eu quis dizer o mais próximo possível do que significava para uma menina engravidar na década de 1960, quando a lei proibia e punia o aborto. O filme não discute, julga ou mesmo dramatiza. Acompanha o cotidiano de Anne como estudante desde o momento em que espera por sua menstruação, em vão, até que sua gravidez seja interrompida. Em outras palavras, é contado por meio do ponto de vista de Anne”.

Em janeiro de 1975, foi aprovada na França a lei que descriminalizou o aborto. Chamada de “Loi Veil”, foi elaborada por Simone Veil, ministra da Saúde durante a presidência de Valéry Giscard d’Estaing. Já nos Estados Unidos, uma recente decisão da Suprema Corte reverteu uma decisão de 1973 que por meio século garantiu a jurisprudência sobre aborto no país. No Brasil, até mesmo as poucas situações em que a interrupção da gestação é permitida por lei estão sob ameaça institucional – como no caso da juíza de Santa Catarina que impediu o aborto de uma menina de 11 anos grávida após ser estuprada.

Um dos méritos de O Acontecimento é registrar sem pudores a violência a que a protagonista – e todas as mulheres que passam pelo mesmo drama – tem que se submeter por conta das tentativas clandestinas de abortar. Uma crueza elogiada por Annie Ernaux: “Audrey Diwan teve a coragem de mostrá-la em toda sua realidade brutal: as agulhas de tricô, a sonda introduzida no útero por uma aborteira. Somente essas imagens perturbadoras podem nos tornar conscientes dos horrores que foram perpetrados nos corpos das mulheres, e o que significaria um passo para trás”.

Zeta Filmes/Divulgação

Zeta Filmes/Divulgação

O Acontecimento: * * * * * 

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de O Acontecimento:

PUBLICIDADE

Esqueceu sua senha?