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“O Melhor Está por Vir” é o “8 ½” solar de Nanni Moretti

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“O Melhor Está por Vir” é o “8 ½” solar de Nanni Moretti Pandora Filmes/Divulgação

O ano nem bem começou, mas certamente já temos um finalista ao prêmio de melhor filme de 2024. O Melhor Está por Vir (2023), nova comédia dramática do cineasta italiano Nanni Moretti exibido no Festival de Cannes do ano passado, acompanha com leveza, nostalgia e alguma melancolia os dilemas profissionais e pessoais de um diretor tentando rodar um novo longa-metragem ambientado na Roma de meados dos anos 1950.

Um dos maiores nomes do cinema italiano contemporâneo, Moretti protagoniza O Melhor Está por Vir como o idiossincrático, adorável e um tanto ultrapassado realizador Giovanni, cujo próximo filme pretende contar uma história ambientada entre militantes do Partido Comunista Italiano à época do levante da Hungria em 1956, reprimido pelas tropas soviéticas. Além das dificuldades habituais de rodagem, o respeitado diretor tem que lidar com a crise no casamento com sua assistente (Margherita Buy), o romance da jovem filha (Valentina Romani) com um velho embaixador polonês (o ator e diretor Jerzy Stuhr), a instabilidade de seu produtor francês (Mathieu Amalric) e os palpites da dupla central de atores de seu filme –interpretados por Silvio Orlando e Barbora Bobulova.

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Giovanni está convencido da relevância de relembrar como o PCI perdeu a oportunidade de romper com a União Soviética para finalmente tomar um caminho independente. A questão é que ninguém mais se lembra desses acontecimentos ou tem interesse nesse tema – o mundo mudou e a maneira de fazer filmes também. Enquanto o protagonista está convencido a fazer um filme político, sua atriz principal pensa diferentemente: segundo Vera, que na trama vive uma costureira militante apaixonada pelo editor do jornal comunista L’Unitá, Giovanni está fazendo um filme de amor – e não percebe isso.

“Embora o mundo ao seu redor esteja se tornando cada vez mais difícil de decifrar e aceitar, Giovanni não quer perder para uma realidade decepcionante. E, acima de tudo, ele não quer desistir do sonho de poder mudá-lo. Se a vida e a história não permitem, o cinema, pela sua força e energia contagiosas, transforma a realidade e torna o sonho possível”, explica Nanni Moretti, que assina o roteiro com Francesca Marciano, Federica Pontremoli e Valia Santella.

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O Melhor Está por Vir marca o aniversário de 50 anos da carreira de Moretti, que estreou como diretor com o curta La Sconfitta (1973) e acumula prêmios como a Palma de Ouro em Cannes pelo drama O Quarto do Filho (2001). “Esse é um filme muito pessoal para mim e sei que muitos verão nele uma espécie de ‘resumo’ dos meus temas e estilos. Não estou mais totalmente ciente do que são, mas estou ciente de que é assim que o filme será dissecado”, disse em entrevista.

Moretti definiu seu mais recente trabalho como “um filme sobre o cinema”, assumindo a explícita inspiração no 8 ½ (1963), de Federico Fellini. Ao lado de Caro Diário (1993) e Aprile (1998), O Melhor Está por Vir forma uma espécie de trilogia terapêutica, em que o cineasta mistura referências autobiográficas com episódios ficcionais e comentários a respeito de cinema, cultura, política e comportamento, com uma linguagem singular que não hesita em descolar-se da realidade para flertar com o lirismo e o surrealismo – permitindo, por exemplo, que os personagens possam de repente cantar e dançar uma música inteira no meio de uma sequência, sem justificativa alguma.

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“A autoironia sempre esteve na minha carreira desde o começo. Desde meus primeiros curtas em Super-8, três coisas vieram naturalmente para mim, que levei comigo durante toda a minha vida: falar sobre o meu mundo, sobre o mundo da classe média romana de esquerda – fazendo isso com ironia, principalmente consigo mesmo – e me colocar não apenas atrás da câmera, mas também na frente dela”, resume Nanni – que é um diminutivo de Giovanni, seu nome de batismo e de seu alter ego no filme.

Distante da ingenuidade ou do saudosismo romântico, Moretti diverte o espectador com sua crítica lúcida e ácida aos valores e exigências do cinema e da indústria cultural atuais – a reunião com os executivos da Netflix é um esquete de humor hilariante antológico. Se as atribulações de um cineasta em impasse criativo remetem inescapavelmente a 8 ½, o tom dessa obra-prima sem pompa de Moretti é decididamente mais solar e otimista do que o do clássico felliniano. Como o título anuncia, O Melhor Está por Vir aposta no futuro, apesar de tudo, e na capacidade mágica que o cinema possui de mudar para melhor o mundo e a história, como Quentin Tarantino fez matando Hitler em Bastardos Inglórios (2009), simplesmente porque o artista assim o quer.

Pandora Filmes/Divulgação

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O Melhor Está por Vir: * * * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de O Melhor Está por Vir:

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