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“Rashomon” revela as falsas caras da verdade

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“Rashomon” revela as falsas caras da verdade Petra Belas Artes à la Carte/Divulgação

Um dos clássicos da filmografia do cineasta japonês Akira Kurosawa (1910 – 1998), Rashomon (1950) acaba de entrar no catálogo da plataforma de streaming Petra Belas Artes à la Carte. O longa ganhou o Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza de 1951 e foi indicado ao Oscar em 1953 de Melhor Direção de Arte.

O roteiro de Rashomon é uma engenhosa construção que apresenta várias versões de um mesmo episódio – recurso hoje corriqueiro em filmes e séries, mas que naqueles tempos era singular e inusitado. Durante uma forte tempestade, um sacerdote (Minoru Chiaki), um lenhador (Takashi Shimura) e um homem desconhecido (Kichijiro Ueda) se abrigam sob as ruínas de um antigo portão de entrada de vilarejo.

Os dois primeiros contam ao recém-chegado a história de um samurai assassinado cujo corpo o lenhador descobriu três dias antes em um bosque. Ambos foram convocados para testemunhar no tribunal local sobre o caso – o religioso avistou o guerreiro e sua esposa viajando pela floresta pouco antes do assassinato ocorrer.

Petra Belas Artes à la Carte/Divulgação

Os três personagens envolvidos diretamente com o ocorrido contam sua história perante a justiça: o notório bandido Tajomaru (Toshiro Mifune), que supostamente assassinou o samurai (Masayaku Mori) e estuprou sua esposa (Machiko Kyo); a mulher do samurai; e o próprio samurai, que testemunha por meio de uma médium (Noriko Honma). Todos apresentam uma história com estrutura semelhante – Tajomaru teria sequestrado e amarrado o samurai para poder estuprar sua esposa –, mas que se contradizem: os relatos das motivações, do desenrolar dos fatos e do assassinato são diferentes. Da bravata à covardia, passando pelo desejo, a cobiça e o egoísmo, as narrativas trazem à tona as paixões e mesquinharias de todos –simultaneamente vilões, vítimas e testemunhas da comédia humana.

Comumente creditado como o filme que inspirou a criação do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Rashomon é inspirado em dois contos do escritor japonês Ryunosuke Akutagawa. Durante as filmagens, o elenco abordou Akira Kurosawa com o roteiro em mãos perguntando: “O que isso significa?”. A resposta do mestre foi que a história refletia a vida – e a vida nem sempre tem significados claros.

A bela direção de fotografia em contrastado preto e branco assinada por Kazuo Miyagawa inclui inovações para a época como filmar com a lente diretamente apontada para o sol, trucagens com lentes para captar o jogo de luzes e sombras projetados pelas folhas das árvores nos atores e no chão e o uso de câmera no ombro para acompanhar os personagens em caminhadas e corridas pelo bosque.

Petra Belas Artes à la Carte/Divulgação

Outro preciosismo exigido por Kurosawa – conhecido pelo rigor técnico de produção dos seus filmes – foi misturar tinta preta na água da chuva torrencial que desaba durante quase todas as cenas com os três homens sob o portão Rashomon. Segundo o diretor, a câmera não registrava adequadamente o toró no fundo do quadro – e o recurso de “pintar” a água teria ressaltado a imagem dos pingos caindo incessantemente.

Como Os Sete Samurais (1954) e Yojimbo, o Guarda-Costas (1961) – que recentemente também entrou no catálogo da plataforma Belas Artes –, Rashomon foi mais um título de Kurosawa refilmado no Ocidente como western: Quatro Confissões (1964), dirigido por Martin Ritt e estrelado por Paul Newman. Curiosamente, para criar suas histórias de samurai, o diretor japonês inspirava-se no western clássico norte-americano.

Petra Belas Artes à la Carte/Divulgação

O duelo entre o samurai e o pistoleiro

Expressando nos rostos o espanto diante de tanto egoísmo e cinismo, o lenhador e o monge não escondem a decepção desconcertante com o caráter humano. Uma desilusão traduzida em amargas palavras pelo cético terceiro interlocutor desse encontro de almas errantes: “São histórias comuns hoje em dia. Eu até ouvi dizer que o demônio que vive aqui em Rashomon fugiu com medo da ferocidade do homem”.

Petra Belas Artes à la Carte/Divulgação

Rashomon: * * * * *  

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Rashomon:

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