Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

A Irlanda e seus desatinos

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A Irlanda e seus desatinos Netflix/Divlugação

Derry Girls foi a comédia de maior sucesso da história da Irlanda, a do Norte, ligada à Inglaterra por séculos de pancadaria entre católicos e protestantes. A série fez tanto sucesso que logo teve uma segunda temporada, e uma terceira, a última, que se defrontou com a pandemia e precisou esperar para ser produzida. E, por isso, não faz tanto tempo que estreou na Netflix. Tá lá agora.

Eu já escrevi sobre Derry Girls, mas é hora de falar dessa terceira temporada e da série como um todo, de tão boa que é.

Era uma vez na Irlanda

O Brasil, até pouco tempo atrás, era um território dominado pela Igreja Católica, o que de certa forma evitava conflitos religiosos. A gente ia brigar com quem? O crescimento das seitas pentecostais mudou esse cenário e, em 2022, pela primeira vez pra valer, religião foi assunto em eleições majoritárias. Eu, caros leitores, gostava mais de antes.

A Irlanda é um desses lugares devastados pela guerra religiosa. Quando Henrique VIII tirou a Inglaterra do campeonato católico e criou a sua liga própria, que acabou na Premier League, partes do Reino Unido não curtiram o novo sistema, especialmente porque acreditavam firmemente que suas almas imortais iriam arder no inferno, o que, na época, era um problema sério. A Irlanda, que tinha sido conquistada e adicionada ao Reino pelo próprio Henrique VIII, era divida entre povos ingleses e irlandeses que não favam inglês, não se vestiam ou comiam como ingleses e não queriam ser ingleses.

Derry, a série, é baseada em tudo isso. Em uma escola católica de Derry, um grupo de meninas, com a participação de um menino inglês, o que o torna um ser tão exótico que ninguém entende direito, tenta lidar com a adolescência e a fase final da luta entre o chamado Exército Republicano, o IRA, e a Inglaterra. E, desse caldo de guerra cultural, e desse limão, faz uma baita limonada, que todos podemos apreciar.

A terceira temporada é a última por vários motivos, entre eles o de que as meninas obviamente não são tão meninas, e vão precisar repetir muitos e muitos anos para continuar na escola. Não rola, hora de terminar. Uma pena, porque série, linguagem e atores são deliciosos demais.

Eu gosto de todos, mas um em particular rouba a cena, em especial a cena em que aparece nada menos que Liam Neeson, um interrogador da polícia que se depara com um ser impossível de ser interrogado, o maravilhoso Uncle Colm, LONGE o ser mais chato do planeta. Também cresceu no gosto popular ao ponto de ganhar uma presença pop nessa temporada a freira Sister Michael, diretora da escola que está na Igreja por conta de toda a espiritualidade de uma vida sem pagar aluguel.

O pano de fundo, a tensão imposta à Irlanda pelo colonialismo inglês, segue valendo. A maluquice de uma escola católica na Irlanda segue valendo. As idas e vindas das Derry Girls ao interior do país em uma missão dada pela Sister Michael servem de Leitmotiv, mas o que importa são os personagens, a sucessão de gente que parece ter sido criada pelo Groucho Marx nos seus melhores momentos.

Só vejam, e depois a gente fala mais.

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