Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

“Fauda” vem, “Fauda” foi

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“Fauda” vem, “Fauda” foi Netflix/Divulgação

No universo das séries existe esse probleminha sem cura: a gente passa o equivalente a décadas esperando uma nova temporada de alguma série em que a gente gamou, e ela vem e pimba, vai. A Netflix fez por bem nos trazer a mais nova temporada do seu grande sucesso, Fauda, 12 episódios que curiosamente duram menos de cinco minutos, tudo junto. Incrível.

Não conheço quem não tenha “bingeado” a temporada inteira em menos de meia hora e depois não tenha corrido pra um bar pra beber todas e chorar no ombro do garçom. Aconteceu comigo. Com vocês também?

Fauda é um mega sucesso israelense, mais um. A série consegue ser uma das mais vistas em países árabes, dizem, e se isso não é medida de sucesso, então não entendo mais nada.

Basicamente, Fauda parte da realidade impossível do Oriente Médio e a transforma em tensão e ação de alta qualidade, com uma narrativa relativamente simples: uma equipe de comandos de Israel vive infiltrada nos territórios palestinos, falando árabe, se vestindo e se comportando como árabes, e agindo com a implacável eficiência israelense.

“Fauda” é o termo militar para a hora em que tudo dá errado. Na série, basicamente coisas dão errado em quantidade e frequência suficientes pra manter a nós, pobres espectadores, em um estado contínuo de tensão arterial pra lá de não recomendável. Se eu tivesse uma sugestão para quem ainda não viu, seria: muita Maracugina, muito chá de camomila e seja o que Alá e Jeová quiserem.

Como toda série que se preze, os comandos israelenses têm rosto, vida e alguma alma, a que dá pra ter levando em conta o que eles fazem no seu dia a dia profissional. Conhecemos os dramas deles, sofremos um pouco por eles, mas esperamos que sigam cumprindo o seu dever, o de nos oferecer horas de algumas das melhores cenas em séries de ação que eu já vi. Não é pouco.

E ainda por cima, Fauda nos deixa ver, e mais ou menos entender, o caldeirão fervente da realidade política e social dessa região do mundo especializada em conflitos insanáveis. O Brasil é recente, somos jovens e infantis, o que não significa puros ou ingênuos, e temos a nossa história de violências. Mas nada se compara a ódios e vendetas milenares, transformados em um forno sem limite de temperatura, amplificados pela instalação em plena Palestina do que se transformou no moderno Estado de Israel. Resolver isso não tem como.

Um dos méritos de Fauda é que eles mostram o outro lado. Os palestinos passam a ter rosto, suas lutas são apresentadas, seus métodos são demonstrados como sendo do povo antigo, combativo e rico em cultura que são. Vemos, e mais ou menos entendemos, que existe o Fatah, secular e corrupto, mandando na Cisjordânia, e o Hamas, religioso e que controla a Faixa de Gaza. Entre eles não reina o amor, coisa de que Israel se aproveita para dividir e controlar.

Na quarta temporada, o ambiente é ampliado para o infeliz Líbano, hoje numa crise profunda, eternamente dividido entre forças antagônicas, e ainda por cima com o Irã tentando ampliar a sua influência na região. O que é impossível pode se tornar ainda pior, e isso é o que Fauda nos ajuda a ver.

Fauda é uma das séries mais complexas e intensas, muito por conta do ambiente real em que ela acontece. Lidar com tudo isso é tarefa pra lá de descomunal. Eu bato palmas para a capacidade dos autores em conseguir manter as coisas minimamente sob controle, ao menos narrativo.

Nada é bom num lugar assim. Todos são maus, porque não existe muita alternativa. Todos cometem horrores, porque não cometer é talvez permitir horrores ainda maiores.

A quarta temporada termina deixando tudo isso muito, muito, muito claro. O final da temporada acaba com a nossa saúde e bem estar, por uma semana pelo menos. Mas é como tem que ser, não tem jeito.

Eu vi, e acho que todos devem ser. Sonrisal é recomendado. Fica a dica.

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