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As esculturas em madeira de Itelvino Jahn em Passos sobre os abismos

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As esculturas em madeira de Itelvino Jahn em Passos sobre os abismos Foto: Anderson Astor

Artista apresenta suas obras mais recentes na Galeria Tina Zappoli

Itelvino Jahn é escultor de longa data. Sua relação com a madeira, mais antiga ainda. Dono de um trabalho de grandes proporções, Jahn cria esculturas feitas em madeiras encontradas de árvores velhas, antigos mourões, peças descartadas, troncos, galhos, raízes – todas as partes são por ele aproveitadas. Construídas a partir de um diálogo íntimo entre o artista e o material, suas obras possuem formas orgânicas que nascem a partir de uma observação atenta e contínua das peças antes de começar a trabalhar. 

Esse olhar, conforme o artista relata, o acompanha desde pequeno, já que foi criado no campo, convivendo e prestando atenção nas madeiras que o cercavam. Um respeito máximo pelas árvores e pelo meio ambiente faz parte do seu processo de trabalho. Na exposição Passos sobre os abismos, em cartaz na Galeria Tina Zappoli até 23 de dezembro, o artista apresenta um conjunto de obras de diferentes escalas. 

Itelvino Jahn. Marinho Neto

A exposição coletiva, que se debruça sobre as dificuldades do tempo presente e apresenta obras que propõem uma reflexão e um caminho de construção de futuro, traz ainda trabalhos de Arlete Santarosa, Cabral, Marinho Neto, Jorge Leite, Terê Finger e Gabriel Augusto. A mostra marca as comemorações de 40 anos de atividade da galeria. 

Na entrevista a seguir, Jahn compartilha um pouco da sua relação com as madeiras e árvores, algo que é tão comum e presente que muitas vezes não refletimos sobre o seu importante papel no equilíbrio da natureza.

Como começou a sua relação com a madeira e o trabalho como escultor? 

A minha história com a madeira começou há muitos anos, na propriedade onde eu morava quando criança e onde resido até hoje, através da observação da natureza, das formas e dos movimentos. Eu era pequeno e ia junto fazer trabalhos de lavoura, de reforma de cercas. Eu ficava muito tempo observando os mourões, que na época eram feitos com materiais retirados da mata. Eu ficava sentado, olhando, e muitas vezes as cercas me pareciam pessoas caminhando, outras vezes, animais. Os movimentos sempre me chamaram muito a atenção. Então é um tempo bastante longo, um tempo de observação e de interesse pela matéria prima que eu utilizo. 

Como é o seu processo criativo? Como chegas nas formas finais? 

As madeiras são muitas vezes enormes, pesam dois, três, quatro mil quilos. E elas caem por intempéries, por idade ou por apodrecimento. Aí vem o processo de observação e de limpeza. Depois de limpo, acontece aquilo que eu vejo como um diálogo, ela começa a conversar comigo. Vejo o que eu tenho que acentuar, limpar ou deixar como está. É mesmo um processo de diálogo meu com a matéria. E isso vai se desenvolvendo e criando as formas. Muitas vezes nós olhamos para algum tronco, alguma raíz, e não conseguimos ver muita coisa, e só tendo esse diálogo que se começa a poder mexer e dar forma, fazer a escultura. As ferramentas que utilizo são as mais comuns possíveis, como machadinha, enxó, grosa, formões de vários tamanhos e modelos. São coisas bem simples, rudimentares, e algumas já de milhares de anos. 

Suas obras costumam aproveitar a madeira inteira? Você sempre trabalha com obras de grandes dimensões? 

Existem madeiras enormes, troncos, galhos e raízes e decido conforme o diálogo vai acontecendo. Eu tenho peças em que eu estou trabalhando com mais de quatro metros de altura, mas também tenho peças com 30 ou 40 centímetros de altura. Depende muito da parte da árvore, ou raiz, ou tronco, para que eu desenvolva a peça e que fique nas dimensões que eu acho que ela se comportaria como uma escultura que nos dá a possibilidade de olhar e pensar. 

Como você decidiu trabalhar a partir do reuso de madeiras? 

Tenho uma preocupação muito grande em dar um destino nobre às árvores caídas, que normalmente são árvores velhas, que já nos proporcionaram muito – desde abrigo para aves, sombras para outros animais e para nós humanos também, melhorando a qualidade do ar e da temperatura. Muitas vezes também nos deram alimentos, porque trabalho com todos os tipos de árvores, desde as exóticas, as ornamentais, as nativas e as frutíferas. E elas vêm tanto das áreas rurais de onde eu resido, como de áreas urbanas, como a própria grande Porto Alegre. 

Foto: Anderson Astor

Você costuma trabalhar com séries ou com obras individuais?

Todas são peças individuais e únicas. Às vezes, na observação e no diálogo, percebo que a madeira vai ficar melhor se for fracionada, e aí às vezes parece uma série pois várias peças vêm de um mesmo tronco, de uma mesma raiz, ou de um mesmo galho. Ela se torna como se fosse uma série, mas não é. Entendo que as peças sejam tão individuais e únicas como cada ser humano é, como cada digital é. 

A exposição Passos sobre os abismos fala sobre os abismos que estamos atravessando e como a arte pode ser a ponte para chegarmos em outro lugar. Quais são os seus abismos e como a arte te ajuda? 

O abismo é nós termos um descaso em relação às questões ambientais, às questões da relação entre humanos e desses com a natureza. Tudo parece que é feito e usado quando nos serve; depois disso, nada importa. Só os nossos próprios interesses, só as nossas próprias individualidades, só aquilo que nós achamos. O meu abismo é essa falta de respeito uns com os outros e todos com a natureza. Eu sempre digo uma coisa: a matéria e eu somos seres distintos. Quando eu começo meu trabalho, nos tornamos um só, como se a matéria fizesse parte de mim mesmo, do meu ser. Procuro transmitir para a matéria minha energia, a minha vida, a minha alma. Então, eu começo a ver que surge uma obra. A arte que se concretiza. Minha arte é minha própria vida. É isso que eu resumo diante do respeito que eu tenho com quem já tanto nos deu. 

Foto: Anderson Astor
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