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Inventário de verbetes fortalece o patrimônio cultural da comunidade negra de Porto Alegre

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Inventário de verbetes fortalece o patrimônio cultural da comunidade negra de Porto Alegre Tambor – Museu de Percurso do Negro. Foto: Alex Rocha

Uma dicionarização das referências espaciais, sociais e simbólicas da comunidade negra de Porto Alegre, visando o desapagamento da presença dessas populações na história da cidade. É o que se propõe o projeto Memórias Negras em Verbetes, que reúne cerca de 50 itens que compõem o patrimônio cultural negro da Capital. O levantamento inclui pessoas, instituições, espaços e territórios, tanto no formato de verbetes (textos informativos que explicam algum conceito), disponíveis no site do projeto, quanto em uma série em podcast – que já pode ser ouvida no Spotify, YouTube e Tik Tok.

Feita por muitas mãos, a iniciativa contou com especialistas como historiadores, antropólogos e geógrafos, além da participação direta de entidades do movimento social negro. “Inicialmente, nós pensamos em apresentar uma espécie de dicionário. Existe um exemplo em São Paulo, mas nenhum relacionado à cultura negra em Porto Alegre, e eu acho que o diferencial nesse caso foi a questão da verificação e validação das informações”, conta o historiador Pedro Vargas, que destaca a participação do movimento negro no projeto, ampliando o espaço de construção do conteúdo. 

O representante do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos (Iacoreq), Iosvaldyr Bittencourt, ressalta o papel essencial do movimento nessa catalogação sobre a cultura desses indivíduos. “É importante apresentar o protagonismo da população negra por meio dos seus representantes nas indicações das pessoas, lugares e eventos que são legitimados e reconhecidos por essa população, isso acaba fortalecendo um inventário dessa natureza e também o movimento”, explica. Como parte da equipe multidisciplinar, participaram também as instituições Angola Janga, Associação Negra de Cultura, Satélite Prontidão, Frente Quilombola e Clube Floresta Aurora.

Além disso, os pesquisadores e as pesquisadoras que participaram do projeto puderam conhecer outros sujeitos e espaços, que ainda eram desconhecidos até para eles. Esse fato evidencia uma característica marcante da produção do projeto: a troca de experiências. “Nossos diálogos foram maravilhosos, de grande conhecimento para mim. Eu conheço alguns artistas negros nas artes plásticas, mas no projeto eu pude conhecer mais profundamente esses artistas, o que motivou até um diálogo com o meu próprio sujeito de pesquisa”, conta Jane Mattos, historiadora e pesquisadora do campo do pós-abolição, integrante da equipe.

Dos encontros, os verbetes

O inventário reúne personagens incluindo o Príncipe Custódio, Oliveira Silveira e a artista Maria Lídia Magliani, e também lugares de ocupação negra, como a Esquina Democrática, a Praça da Alfândega e o Mercado Público. Em um dos verbetes que escreveu, Jane Mattos traz à tona a figura de Horacina Corrêa, importante cantora e atriz nascida em Porto Alegre na década de 1910, e pouco reconhecida na cidade até os dias atuais, embora seu legado seja de repercussão e importância nacional. “Já se tinha uma ideia de quem era ela, mas não tinha me aprofundado na sua trajetória. Descobri quem foi Horacina, uma mulher que era da colônia africana, teve uma grande atuação na rádio, foi para o Rio de Janeiro cantou em várias rádios, uma mulher super talentosa e pouco conhecida no Rio Grande do Sul. Aprofundar a biografia dessas mulheres negras, para mim, foi uma experiência muito interessante”, conta.

O inventário também abrange instituições como o Clube Floresta Aurora, a Irmandade do Rosário e as associações Satélite Prontidão, além de territórios negros, como é o caso da Ilhota, o Mont Serrat e a Colônia Africana. Os encontros para a construção do inventário foram marcados por diversos momentos de aprendizado para toda a equipe. Em uma das reuniões, Pedro contou sobre o surgimento de um nome que em breve terá sua história contada e virará verbete no site do projeto: o Marujo, dono de um salão de beleza muito conhecido por trabalhar com alisamento de cabelos na época nos anos 1960 e 1970. “Ele foi um personagem que eu lembro pela minha mãe, e no grupo, quando começamos a conversar sobre os personagens dos verbetes, esse nome não apareceu, mas já apareceu vindo de uma outra fonte do movimento negro. Para mim, esse é um dos grandes saltos do trabalho, é essa reação, ele não fica restrito ao olhar acadêmico, também abre possibilidades para outros olhares”, disse. 

Somando a esse trabalho coletivo, o Memórias Negras segue em construção também como um projeto participativo com a comunidade. Qualquer pessoa pode enviar sugestões de ajustes nas biografias ou até indicar novos verbetes – falando sobre histórias, personalidades, lugares, edificações ou práticas consideradas relevantes para a população negra. “O projeto é super importante em períodos como este, em que ainda estamos nessa disputa constante de narrativas da cidade, de pagamento dessa memória, dessas trajetórias da comunidade negra que sempre esteve em movimento, que sempre resistiu, sempre construiu e também sempre desconstruiu essa branquitude”, afirma Jane, tal qual ressalta Iosvaldyr. “Ao mesmo tempo que o projeto dá essa visibilidade, ela dá essa projeção da presença e da participação da população negra em Porto Alegre, assim como passa a se tornar também uma fonte de referências para qualquer pessoa que tenha interesse em obter informações e subsidiar outras possíveis pesquisas futuras”, completa.

Podcast

O site seguirá em constante construção e pode ser acessado em memoriasnegrasemverbetes.com. Além dos verbetes, os conteúdos do projeto incluem cinco episódios de uma série em podcast com direção e roteiro de Liliana Sulzbach e produção, edição e montagem da Rádio Mínima. O projeto foi financiado com recursos do Pró-cultura RS, da Secretaria de Estado da Cultura do RS (Sedac) através do Edital de Patrimônio Cultural do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).

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