“A Invenção do Nordeste” reflete sobre identidades culturais e estereótipos
Embora seja a região mais extensa do país, formada por nove estados, o Nordeste costuma ser vinculado a uma série de noções redutoras de sua diversidade. Da mesma forma, o gentílico nordestino – muito mais usual do que sulista ou sudestino, por exemplo – carrega consigo um conjunto de imagens que frequentemente se sobrepõem à diversidade das populações e culturas da região.
Esses e outros aspectos relacionados à identidade cultural nordestina e suas disputas compõem as reflexões do Grupo Carmin, de Natal (RN), em A Invenção do Nordeste, que integra a programação do 17º Festival Palco Giratório Sesc. O espetáculo será apresentado no Teatro Sesc Alberto Bins, na sexta-feira (19/5), às 19h, e no sábado (20/5), às 18h.
A peça estreou em 2017 e nasce de inquietações da diretora da montagem, Quitéria Kelly, no contexto da eleição presidencial de 2014, quando ataques xenofóbicos aos eleitores do Nordeste se intensificaram após a reeleição de Dilma Rousseff , que venceu em todos os estados da região no segundo turno do pleito.
Em 2016, outra experiência impulsionou o interesse do Grupo Carmin em abordar o tema. A trupe circulava pelo país no festival Palco Giratório com o espetáculo Jacy. “Em uma das apresentações, alguém da plateia comentou: essa peça é tão boa, nem parece nordestina”, recorda o ator e dramaturgo Henrique Fontes, que assina a dramaturgia de A Invenção do Nordeste com Pablo Capistrano e divide o palco com Rafael Guedes e Igor Fortunato.
“Talvez numa tentativa de elogiar, mas muito mais como ofensa, a pessoa queria dizer que não tinha traços de uma peça do Nordeste, com recortes regionalistas em que a direção de arte carrega em tons ocres, chão rachado e figurino de algodão cru”, completa Fontes, citando alguns dos clichês de representação cênica da região.
As reflexões foram aprofundadas a partir de trocas com o historiador paraibano Durval Muniz de Albuquerque Júnior, autor do livro A Invenção do Nordeste e Outras Artes – versão resumida da tese de doutorado O Engenho Antimoderno: A Invenção do Nordeste e Outras Artes, defendida por Albuquerque Júnior em 1994, na Unicamp.
“Em vez de buscar uma continuidade histórica para a identidade de nordestino e para o recorte espacial Nordeste, este livro busca suspeitar destas continuidades, pondo em questão as identidades e fronteiras fixas, introduzindo a dúvida sobre estes objetos históricos canonizados”, ressalta o historiador na introdução do livro.
A peça A Invenção do Nordeste resulta de três anos de leituras e conversas do Grupo Carmin. Na trama, os debates em torno das identidades culturais se dão no contexto do fazer teatral, quando um diretor é contratado por uma grande produtora para selecionar um ator nordestino que corresponda a certas expectativas de interpretação de um personagem nascido na região.
Após testes e entrevistas, dois atores são selecionados para uma oficina de sete semanas com o diretor. Durante a preparação, os atores refletem sobre identidades, culturas e histórias pessoais e a idealização da figura do nordestino. “A partir da narrativa historiográfica de Durval, a peça mostra como o estereótipo do nordestino foi introjetado através das artes. Essas reduções, em suma, têm a ver com a ideia de que nascer em um lugar confere à pessoa uma determinada identidade – um atributo que já é plural há muito tempo”, afirma Fontes.
“O Nordeste acaba sendo palco de certo reducionismo geralmente pejorativo, mostrando o nordestino de tipo físico frágil, resiliente, pouco inteligente, muito disposto ao trabalho físico, ou então o cabra-macho. O espetáculo não é didático, mas a forma como as personagens vão descobrindo esses fatos ecoa na plateia”, completa o ator.
Em 2019, A Invenção do Nordeste recebeu o Prêmio Shell na categoria Melhor Dramaturgia e o Prêmio Cesgranrio de Teatro de Melhor Espetáculo, entre outros reconhecimentos.
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“A Invenção do Nordeste”, do Grupo Carmin
Horários: 19h (19/5) e 18h (20/5)
Local: Teatro Sesc Alberto Bins (Av. Alberto Bins, 665)
Classificação: 12 anos
Gênero: Teatro
Duração: 60 minutos
Ingressos: Em qualquer Unidade Sesc/RS e online neste link, pelo valor de R$20 para os usuários dos cartões Sesc/Senac nas categorias Comércio e Serviços ou Empresários, meia-entrada e convênio com a Santa Casa e R$40 para o público em geral. Havendo disponibilidade, 1h antes de cada apresentação na bilheteria dos respectivos teatros.