Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

Bang Bang Baby

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Bang Bang Baby Amazon Prime Video/Divulgação

Vocês lembram do tempo em que a gente ia ao cinema e era pra ver filmes que não eram da Marvel nem da DC Comics? Eu lembro, e com saudades. E lembram que eram filmes de diferentes países? A gente consumiu grandes doses do neorrealismo italiano e dos franceses da Cahiers du Cinéma, dos grandes cineastas japoneses Ozu, Kurosawa, Oshima, Takeshi Kitano, mais recente. Os chineses, os taiwaneses, os honcongueses do John Woo, os alemães como O Tambor. Os ingleses da era Thatcher.

As séries, estranhamente, ao mesmo tempo em que ampliam enormemente o que se pode ver, e ainda eliminam o fator língua – costumam ser dubláveis e legendáveis em qualquer língua, e tornam ainda mais fácil ver produções de todos os lugares –, se tornaram um ambiente muito concentrado. Vemos séries americanas, inglesas, coreanas, algumas escandinavas, israelenses e praticamente mais nada, ou quase nada, que no es lo mismo, pero es igual.

Os motivos devem ser vários, e talvez esses países tenham adaptado a sua vasta indústria audiovisual para criarem o novo produto mundial, as séries. Talvez essas culturas tenham se adaptado mais rapidamente ao novo ambiente de visualização via streaming. O fato é que vemos os americanos, vemos os ingleses e surpreendentemente os coreanos conseguem se fazer ver, apesar do estranhamento cultural que sentimos vendo histórias de um cotidiano tão diferente e desconhecido.

Por isso me surpreendeu uma série italiana escondida no catálogo da Amazon Prime Video. Um amigo que foi jurado do Emmy e recebeu o piloto me mostrou, e gostei. Se chama Bang Bang Baby, e é sobre ela que vamos falar aqui hoje.

O cinema italiano sempre se fez vez a partir de uma forma narrativa particular e profundamente cinematográfica. Desde o neorrealismo a gente se acostumou a ver a dramaturgia italiana como uma representação do real, mas não algo particularmente realista. A narrativa italiana, com exceção de alguém como Nanni Moretti, parece sempre precisar de um exagero para narrar. Exagero nas cores, nas vozes, nos sons carregados do italiano moderno.

Bang Bang Baby, nisso, lembra muito o cinema italiano em sua carga barroca. Não basta dizer, não basta mostrar, é preciso dizer algo, o tempo todo, e de maneira simbólica.

Em si, Bang Bang Baby é simples. Uma adolescente criada pela mãe em uma aldeia perto de Milão tem lembranças vagas do pai, que teria morrido assassinado quando ela era menina. O pai era membro da terrível ‘Ndrangheta, a organização criminosa de Milão, versão menos conhecida da máfia siciliana, e por ela a nossa personagem passa a enveredar.

Sem spoilers, paremos por aqui com a história. Eu me interessei pelo ambiente, pelo que acontece, por essa garota sem pai e por um substrato cultural desconhecido e vivo, mesmo que num passado recente – a história se passa nos anos 1980.

Existem alguns pilares da narrativa que soam descompassados – como o amigo gay tratado de maneira caricata –, o que incomoda. Existe o ritmo que pode se tornar pesado e lento. Existem elementos poderosos, em sendo a matriarcal Itália, nas “mammas”, especialmente na avó. No conjunto, vale a pena e recomendo.

Eu acredito que mais países vão encontrar suas histórias e suas formas de narrar essas histórias no streaming. Acredito que todos vamos sair ganhando com isso.

Por hora, vamos minerando as pequenas joias – mais ou menos lapidadas que encontramos na biblioteca das plataformas, e que nem sempre o algoritmo nos traz. Sempre que eu encontrar uma dessas, conto pra vocês.

Hoje, é Bang Bang Baby, na minha, na sua, na nossa Amazon Prime. Vá e veja.

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