Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

Espião tem que ser inglês

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Espião tem que ser inglês Apple TV+/Divulgação

Não adianta, ladies and gentlemen. Série de espionagem que valha o seu martíni seco tem que ser inglesa, britânica, ou o que for que saia daquelas ilhas nebulosas que já foram capital de um império e perderam as posses, mas não a pose.

Esse que vos escreve não tem a menor paciência pra ruindade dos Bond, James Bond, ao mesmo tempo em que uma lei não escrita garante que não existe qualquer coisa escrita por John Le Carré que não fique entre o ótimo e o muito ótimo.

Pois, para felicidade geral da nação que curte um bom thriller de espionagem, temos a melhor série já criada sobre o assunto, Slow Horses, da Apple TV+. A série já vai para a terceira temporada e, se mudou em alguma coisa, foi para melhor, podem conferir.

Basicamente, temos uma turma de agentes considerados incompetentes demais para terem a carteirinha de MI6, mas úteis o suficiente para terem um salário de fome e uma sede caindo aos pedaços na Grande Londres. Eles são úteis quando se precisa de alguém para levar a culpa por alguma coisa que deu errado, por exemplo. E isso, aparentemente, acontece o tempo todo.

Gary Oldman faz um agente da velha guarda caído em desgraça, mas que conserva contatos, e aproveita o fato de ser indesejado como autonomia para se mover da forma que achar melhor. E, como isso é uma série, e não a vida real, de tempos em tempos, as coisas dão certo para eles, os slow horses, os cavalos lentos demais para merecerem uma aposta que seja.

Existem teses que tentam explicar a razão para as histórias de espionagem inglesas serem tão boas. Uma nação inteira treinada para esconder os seus sentimentos de forma culturalmente profissional, uma nação treinada para compreender as normas sociais de uma Europa transnacional, um ex-império que perdeu o poder, mas não os contatos, e serviços de inteligência capazes de atrair dinheiro dos primos ricos do outro lado do Atlântico para fazer o trabalho sujo que os ianques evitam. Tudo isso, e mais talento narrativo e atores soberbos, fazem da Inglaterra o que ela é. Um dos melhores centros produtores de conteúdo audiovisual do planeta, e de histórias de espionagem por opção. Sorte a nossa.

Slow Horses é muito, muito bem escrita. Personagens com camadas, com defeitos evidentes e capacidades opacas, falas que nos fazem acreditar no que eles dizem e argumentos criados em cima da nova ordem mundial, e com outro ex-império, o russo, ainda capaz de produzir muita confusão, com suas técnicas diversificadas de assassinato e zero escrúpulos.

O Brasil tem zero tradição nessa categoria de narrativa, e provavelmente porque nunca espionou ninguém, a não ser pequenos grupos internos, nunca investiu em inteligência por duvidar que funcione, nunca acreditou em si mesmo como protagonista internacional.

Uma série brasileira de espionagem seria algo tão curioso que eu assistiria, ao piloto pelo menos. Não tem, não vai ter, portanto, vão de Slow Horses na tela pra um bom binge neste final de ano que se aproxima.

Fica a dica.

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