Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

O Urso de Chicago

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O Urso de Chicago Star+/Divulgação

Nestes últimos dias, por todo lado, se vê artigos e menções honrosas para a série americana The Bear, que no Brasil teve a primeira temporada exibida no Star+ e deve ter a segunda temporada sendo lançada em agosto deste ano. Nos Estados Unidos, a série ganhou status de primeira grandeza, tanto que na segunda temporada você vai ver nomes como Jamie Lee Curtis, Will Poulter, Bob Odenkirk – sim, o Saul do Better Call Saul – e a gloriosa Olivia Colman, entre outros. Ou seja, The Bear deu tão certo que todo mundo quer participar da festa. Good for us.

A série trata de três coisas que aparentemente combinam: Chicago, gastronomia e famílias disfuncionais. Hum.

De Chicago, quem não gosta? Eu gosto. Morei, trabalhei e andei de barco no lindíssimo lago Michigan, que no verão pode ser verde-esmeralda, quentinho, e envolve a cidade toda. Mais: o rio Chicago sai do lago para dentro da cidade, e você simplesmente anda entre os edifícios mais lindos que este mundo já viu, de barco, passando sob lindas pontes de metal e prédios desenhados pelo Louis Sullivan, que inventou os arranha-céus, e em Chicago.

Chicago é a grande cidade americana, a capital das pradarias do Meio-Oeste, e se você quer conhecer os Estados Unidos de verdade, no que ele tem de melhor, é lá. O jazz, por exemplo, pode ter surgido em New Orleans, mas migrou pra Chicago, onde cresceu e criou forças, antes de se mandar pra NY.

Outra coisa boa, mas boa mesmo, é comida. Pra um sujeito como esse que vos escreve, que faz o próprio pão, já chefiou a cozinha de algo parecido com um restaurante em São Paulo e hoje devota tempo e energia criando o lámen perfeito, a série é uma festa.

Basicamente, a história se centra em um jovem e celebrado chef, Carmy, que larga a sua própria carreira em ascensão pra ir de volta a Chicago salvar a lanchonete da família, devidamente afundada pelo irmão. O irmão, Michael, não pode nem ao menos dizer onde Carmy pode achar o que precisa para salvar a lanchonete, porque ele se matou há algumas semanas.

E aqui entra o terceiro elemento da série, que é a familia, no caso, italiana e altamente combalida.

Na primeira temporada, Carmy se esforça para transformar a lanchonete em algo que possa dar certo. Na segunda, ele desistiu de salvar a lanchonete, que se chamava Beef, e assume a sua própria identidade, The Bear, O Urso, apelido que o acompanha a vida toda. Para The Bear poder nascer, Beef tem que vir abaixo.

Chicago segue sendo Chicago o tempo inteiro. Uma cidade rica, poderosa, violenta, dotada de grandes universidades, grandes locais de música e excelentes restaurantes. Chicago se fez com a carne, quando os trens vinham cheios de gado que os cowboys enviavam do Oeste distante, e ali as carnes eram processadas e enviadas para a Costa Leste, que explodia em gente que precisava ser alimentada. Nova York fazia o país funcionar, mas quem alimentava NY era, e é, Chicago.

Famílias são famílias. Todas são formadas 99% por fantasmas, e os vivos precisam lidar com eles mesmos e os que já se foram, mas deixaram marcas.

Eu, por gostar tanto de Chicago e de comida, gosto menos do muito tempo em que a série gasta com Carmy e primos e tios e ex-pai e mãe e assim por diante. A parte drama consome tempo que poderia ser melhor gasto com comida, na minha modesta opinião.

E mesmo na parte de comida, eu simplesmente acho que existe um esforço grande da área de gastronomia para convencer ao mundo, e a si mesma, de que ela é, por natureza, algo extremamente complexo, misterioso, artístico e somente dominável por processos implantados e mantidos com mão de ferro por chefs sem coração, o que vemos de sobra em The Bear.

Eu não consigo concordar com isso. Um bom restaurante é, na sua essência, um lugar onde eu vou pra comer bem e me sentir bem. Não quero saber que gente é regularmente torturada pra que eu possa curtir o meu jantar. E nem acho que isso seja necessário para que se possa ter ótima, excelente comida. Quem sabe isso pode ser obtido com bons ingredientes, boa visão do que sejam sabores, aromas, cores e fim. Feito por pessoas que sintam prazer no que fazem e que não precisam atender os mínimos desejos de clientes aleatórios.

The Bear também mostra essa visão do que seja gastronomia, especialmente quando mostra o terno Marcus, que vai aprender confeitaria feita com paz e amor em Copenhague.

Na soma das partes, The Bear tem linguagem que se aproxima muito do cinema, de um Scorsese, por exemplo, na câmera, atores que sabem muito bem o que estão fazendo e, um dos méritos, exala realismo, porque chefs de verdade dizem o que a série deve mostrar pra ser autêntica.

Por tudo isso, eu recomendo, e muito. E, quem for a Chicago, pelamor experimentem uns restaurantes que eu acho pra lá de bons: o italiano Club Lucky, o Pequod‘s Pizza, que oferece uma baita pizza deep dish no estilo de Chicago, Gibsons Bar & Steakhouse, pra quem acha que carne boa é no Brasil, o Jimmy’s Red Hots, pra comer um autêntico e delicioso hot dog estilo Chicago (salsicha de carne bovina e mais um monte de coisa boa – e picante), ostras no Joe’s Seafood, onde eu acredito que provei um drinque construído a partir de vodca, tabasco e uma ostra dentro. Ainda lembro. Pra todo o resto, uma das várias padarias Corner Bakery da cidade

Curtam The Bear, curtam a cidade, curtam a comida, curtam a vida. Acho que essa é a ideia que a série passa, acima de tudo.

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