Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série | Televisão

Um dia, todos os anos

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Um dia, todos os anos Netflix/Divulgação

Um Dia é uma das séries mais vistas na Netflix neste 2024. Ela é baseada no livro do escritor inglês David Nicholls, que arrasou na categoria romances românticos em 2010, e virou filme com Anne Hathaway e Jim Sturgess em 2011.

A série permite que se vá mais longe, mais fundo e mais para os lados na exploração de cada um dos dias 15 de julho, iniciando em 1988 e se estendendo ao longo dos 20 anos que se seguem. Pena que a lindinha da Anne Hathaway não veio junto.

A ideia é essa. Em um 15 de julho de 1988, Emma e Dexter se conhecem, no final da universidade em Edimburgo que cursaram, sem se cruzar. A partir desse encontro – e eles percebem que esse breve encontro é daqueles em que, como disse Machado de Assis, “as almas trocam cartões de visitas” –, as vidas deles são revisitadas a cada dia 15 de julho, onde quer que estejam, ou com quem estejam.

Emma e Dexter são seres de tribos muito diferentes. Ela vem da dura e fria Leeds, no nada charmoso norte da Inglaterra. Dexter é filho rico e privilegiado de Oxfordshire, arredores aristocráticos de Londres. Apesar disso, as almas se grudaram com Super Bonder, e eles seguem pela vida, tentando ser o que acreditavam que deveriam vir a ser, enquanto a vida, sempre ela, pode ter as suas próprias opiniões sobre o que eles devam ser.

Como um autor escolhe seus cenários, os encontros e desencontros de Emma e Dexter acontecem em lugares como vilarejos branquinhos no mar azul da Grécia ou na excessivamente bela Paris, enquanto eles acabam por virem a viver na mesma Londres, em situações inversas. A insegura e incerta Emma, lutadora que veio das classes menos favorecidas, se conecta finalmente com seu talento e encontra a sua voz, o que a faz ver que o relacionamento que vive com o seu adorável e disfuncional namorado, Ian, não passa de uma cortina, e o mundo real está do outro lado.

Dexter, desde seu lugar destinado ao sucesso, descobre que existem diferentes tipos de sucesso e, mesmo que a maioria deles traga belas beldades e algum dinheiro, nem todos os sucessos são o que deles se espera, ou aquele que os nossos pais esperam para cada um de nós. E Dexter, esse sujeito resultante da elite inglesa, quer muito que seus pais o considerem um sucesso.

Ao longo desses arcos, Emma e Dexter se encontram e comparam o lugar em que se encontram com o lugar que imaginaram para si mesmos, naquele 15 de julho de 1988. Essa é a catarse que sustenta a série, e nela viveremos ao longo de 14 episódios, torcendo para que o final seja feliz, de alguma forma.

Há uns anos, outra série similar, Normal People, fez sucesso, a partir de dois jovens de classes inversas, ela aristocrática, ele filho da faxineira da mansão dela. A série se passa na Irlanda, mas os arcos são similares, e o final, diferente. Ver as duas poderia ser uma boa experiência, e recomendo.

Uma história de amor não é, necessariamente, um conto de fadas – como comentou sobre Um Dia um crítico do The London Paper. Aliás, jamais deveria ser, porque o amor pode melhor ser compreendido como alguma forma de bruxaria, ou encantamento, do qual somos expelidos por meio de algum beijo ao longo do caminho.

Um dia é um desses casos de sucesso por motivos nem sempre compreendidos. Acho que cada vez mais, e até mesmo porque hoje as pessoas vivem vidas muito, muito mais longas do que as dos seus bisavós, começamos a ter experiência suficiente para entender que as coisas se estendem.

Começamos a compreender que não existe um momento que nos defina, mas sequências deles. Começamos a compreender que as nossas relações mais importantes não são, necessariamente, as mais intensas. Que os casamentos mais importantes, muitas vezes, não trocam alianças. Que, muitas vezes, somente vamos compreender a importância do que vivemos em retrospecto. Por isso, mais importante do que tudo, mais mesmo do que o amor, é o tempo.

Os ingleses parecem ter problemas intensos com os dois elementos, tanto o tempo como o amor. Termos tempo junto ao outro, para quem não sabe usar o tempo, e não consegue chegar até o outro, é muito mais um problema do que uma solução, como nos sugere essa série.

Vale ver, e vale pensar. Nós aqui, pra nossa sorte, não somos ingleses. Portanto, em havendo chance, em tendo a oportunidade, cabe a nós fazer melhor do que eles.

Fica a dica.

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