Capítulo 1: Claro demais
Eu não enxergo nada.
Por muito tempo tive pavor do escuro, vivia um terror absoluto quando acordava no meio da madrugada. O breu do quarto e o silêncio da casa me lançavam em uma sensação de perigo iminente, vivia a certeza de que algo me tomaria de assalto e me aniquilaria. Eu só tinha uma defesa: acender a luz. Na verdade, poderia gritar também, nada me impedia de gritar, mas algo em mim permanecia lúcido o suficiente para saber que um grito resultaria apenas na aparição sonolenta e confusa de minha mãe. Melhor acender a luz.
Mas não agora.
Estou cega? Houve algo de muito errado no experimento que afetou minha visão? Não enxergo nada, apenas uma claridade ofuscante. Pouco aguento ficar de olhos abertos, o clarão é intenso e desconfortável. Não me tranquiliza.
Escuto alguns barulhos, passos, tem alguém mais aqui; segundo o que ouço, julgo ser alguém que se move com cuidado. O meu medo só aumenta. Na minha noção de tempo, há alguns minutos eu estava na universidade, numa sala em que não deveria estar e fazendo algo que não era permitido, e isso é tudo o que sei. Se fui pega, não posso esperar por cordialidade. A hipótese de que algum segurança tenha me flagrado, me deixado inconsciente e me largado aqui, segue sendo razoável. Meu primo ficou com problemas para andar e falar na adolescência quando foi agredido por seguranças de um supermercado que o acusaram de pegar uma garrafa de vodka. Cresci escutando essa história e achando que primeiro bateram na cabeça dele e por isso ele não correu. Será que foi o que aconteceu comigo e por isso só me lembro de entrar na Sankofa e depois acordar aqui? Mas na minha cabeça não tem nada, já investiguei várias vezes passando os dedos entre meus cabelos. Movo meus braços e pernas com cuidado para não fazer barulho. Não há alteração, sigo me movendo e pensando sem dificuldades.
[Continua...]