Folhetim

A vida e a vida de Áurea – Capítulo 6

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A vida e a vida de Áurea – Capítulo 6 Foto: Theo Tajes

Terapia do joelhaço para casais

No capítulo anterior: com todas as suas tarefas domésticas e mais  dois netos para cuidar, a Áurea acabou não tendo tempo de tratar da própria vida e chegou aos 59 anos acumulando frustrações e perdas. As mais sentidas: sua mãe e Wanda. Mas quando o Plantão da RBS TV anunciou a contratação de Luiz Suáres pelo Grêmio, alguma coisa brilhou nela.

A ideia de procurar uma terapeuta de casais foi da ex–nora Dete, a essa altura, a pessoa em quem a Áurea mais confiava.  

– Funciona muito. Eu fui com o Miro quando a gente não podia mais nem ver a cara um do outro.

– Mas vocês se separaram!

– Viu como funcionou? Se não fosse isso, eu teria matado aquele imprestável.

Convencer o Larry foi mais fácil do que a Áurea imaginou. Sempre aconselhada pela Dete, ela começou o assunto dizendo que queria se separar.

– Separar? Daqui a quinze anos a gente faz as nossas Bodas de Ouro!

– E eu vou ficar contando esse tempo para me despedir de vez da vida?

– O que a gente tem não é vida, por acaso? Eu te fiz a mulher mais feliz do mundo!

– Larry, que autoestima é essa agora?

– Eu te dei dois filhos maravilhosos!

– Me deu? O trabalho pesado foi todo meu! E alto lá, maravilhosos, também não. São queridos, são os nossos filhos, mas não vamos exagerar.

– Eu não acredito que um absurdo desses te passou pela cabeça.

– Faz anos que isso não me sai da cabeça, Larry. 

O Larry sempre tinha uma piada, em geral, inconveniente. Nunca ficava sem resposta, nunca considerou não dar a última palavra em qualquer assunto. Ele ali, com o rabo entre as pernas, lembrava o Diminho, o cachorro pequinês da Áurea adolescente. Um bicho que estragava tudo em casa, mas que ficava absolutamente arrasado quando era repreendido por suas artes. O Larry parecia o Diminho e, embora se gabasse de jamais ter derramado uma lágrima, a Áurea reparou em um reflexo molhado nos olhos dele.

– Áurea, tu é tudo para mim. Minha filha. Minha mãe. Minha irmã. 

– Isso é casamento ou incesto, Larry?

– Tu é minha tia. Minha prima. Minha madrinha.

– Se tu disser que eu sou tua avó, nunca mais falo contigo.

Engraçado é que, com o Larry tão doce, a Áurea sentiu que ela é quem virava a tiazona do pavê. Será que, em um casal, um sempre precisaria se sentir por baixo para o outro brilhar?  

E o Larry continuava.

– Tu é minha professora. Minha médica. Minha advogada. Minha amiga. Minha mulher.

Enfim Larry chegava ao ápice do discurso, e sem enumerar as demais funções da Áurea na vida dele, cozinheira, camareira, arrumadeira, despachante, tudo na informalidade, sem grandes reconhecimentos. Como foi que ela nunca percebeu isso?

– Áurea, amor da minha vida. Me pede qualquer coisa. Eu faço qualquer coisa para não te perder.

– Então eu quero começar uma terapia de casal.

Três dias depois, estavam sentados lado a lado no sofá da doutora Rosaura. A médica fazia perguntas para facilitar a narração da história. O Larry respondia a tudo com não: está insatisfeito, tem alguma reclamação, sentiu alguma mudança nos sentimentos, mudaria alguma coisa na relação de vocês? Então a doutora perguntou para a Áurea qual era a maior queixa dela sobre o marido.

– Ele não respeita o que eu gosto. 

– Eu não respeito o que tu gosta? Ah, para, Áurea. Eu odeio cabelo curto e é só o teu cobrir a nuca que tu corta. Eu reclamo? Reclamo, mas aceito. Que mais que tu gosta que eu não respeito?

– O Grêmio.

Foram segundos de uma incredulidade que podia ser lida sem legendas, de tão estampada que ficou na cara do Larry. Até que ele conseguiu falar.

– Eu não acredito que tu me trouxe aqui por causa de uma bobagem dessas.

No próximo capítulo: Camas separadas, beijos sem calor


Claudia Tajes é escritora e roteirista.

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