Ensaio

A Porto Alegre celebrada nos nomes de seus prédios

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A Porto Alegre celebrada nos nomes de seus prédios

Os prédios residenciais de Porto Alegre homenageiam a cidade? Esta é a questão que norteia o artigo, a homenagear os 250 anos da capital. A pergunta pode parecer banal, mas não é. Ao percorrer certas ruas e bairros, observando os nomes dos prédios, são tão frequentes as designações que remetem a elementos de lugares icônicos do planeta (bairros de New York, monumentos em Paris ou Londres, cidades e regiões italianas, locais do Caribe, praias da Espanha e da França, palácios de Portugal, sítios arqueológicos do Egito ou da Grécia, atrações culturais europeias, etc.) que ficamos com a impressão de que o conjunto de nomes está “de costas” para a cidade onde se localizam os prédios. A passagem das celebrações dos 250 anos da capital dos gaúchos me levou a buscar nomeações em prédios que a ela remetem.



Organizei em grupos o material colhido. O primeiro deles é o mais óbvio: prédios batizados com o nome Porto Alegre. Encontrei cinco edifícios com o nome de Porto Alegre, um Edifício Porto Alegre Antigo e um Residencial Torre Porto Alegre, e aqui me restrinjo aos prédios residenciais. Mas é visível que em prédios comerciais tal designação é abundante, e um exemplo disso são alguns hotéis. Todos os prédios encontrados são de meados do século passado, anos 60 se poderia dizer, à exceção do Residencial Torre, um pouco mais moderno. Batizar prédios residenciais com o nome Porto Alegre é costume datado, que não está mais na moda. Mesmo considerando a forte tendência a nomes estrangeiros, poderíamos ter combinações do tipo Porto Alegre Loft, ou Porto Alegre Tower Suites, mas não achei nada disso.

O segundo conjunto que organizei é o de prédios que homenageiam a Porto Alegre antiga e sua origem açoriana. Achei três exemplares de Edifício Porto dos Casais, e um Edifício Quinta dos Açores. Há muitos prédios cujo nome remete a um esforço de memória histórica, a lembrar lugares ou designações que já existiram, como em Edifício Praia Antiga (na Avenida Praia de Belas), Edifício Prado (no entorno do atual parcão), Edifício Rua da Igreja, Condomínio Rua da Ponte, Ed. Rua Clara, Ed. Rua da Princesa, Rua Formosa, Prado Menino Deus, e muitos outros, com forte concentração no chamado Centro Histórico.

O terceiro conjunto é uma hipótese, que só pode ser adequadamente comprovada com pesquisa em outras cidades, mas vai aqui lançada. Fiquei com a impressão de que vivemos em uma cidade onde há inflação de prédios com nomes que carregam a palavra porto, nos mais variados usos, e que também homenageiam outros portos, o que pode ser pensado como modo indireto de homenagear Porto Alegre. Para saber se em Porto Alegre há mais prédios com a palavra porto do que em uma cidade que não tem porto no nome, haveria que se pesquisar, por exemplo, os nomes de prédios em Curitiba, e comparar. Mas é bastante evidente que as ruas da cidade estão cheias de edifícios com nomes como Porto Verde, Porto do Sol, Porto Alegria, Jardim do Porto, Puerto Del Sol, Porto Fino, Porto Fino Place, Porto Visão, Porto Capital, Solar Puerto Allegro, Porto Real, Porto da Pedra, e muitas outras variações (veja no repositório de fotos ao final). Tal tendência atravessa períodos construtivos diferentes também. Há uma variação que combina porto com o nome do bairro, e aí temos Condomínio Porto Teresópolis, Porto Petrópolis, Porto Lindóia e mais alguns outros.



Demonstração vigorosa desta tendência se verifica em nomes de estabelecimentos comerciais. Porto Alegre é o paraíso de designações como Porto das Pizzas e Pizzas do Porto. Ou Lanches do Porto e Porto dos Lanches. Lanches Porto Feliz e Porto Feliz Lanches. Ou Porto dos Filés e Filés do Porto, e assim vamos em combinações reversas em torno da palavra porto. A minha hipótese é que tal fenômeno também contamina a designação de prédios, e vivemos em uma cidade com mais prédios residenciais e comerciais com a palavra porto incorporada na combinação do que em outras cidades.

Há também uma leva enorme de prédios residenciais com nomes de portos, alguns para mim absolutamente desconhecidos, como Portijo, Port Said, Puerto Montt, Puerto Bari, Puerto Madryn, Puerto Varas, Puerto Vallarta, Porto Seguro (seis designações encontradas), Porto Palladio, Puerto Banus, Puerto Vigo, Puerto Madero, Parque Porto Coimbra, Condomínio Porto Pacífico, Porto Belo (este, um campeão, tanto com a grafia Belo como Bello, com nada menos que nove prédios encontrados, e penso que não pode ser tudo colocado na conta do nome da praia catarinense). Há um bom número de edifícios com nome de porto no Bairro Jardim Lindóia, especialmente em espanhol, o que traz uma marca original a este bairro. O fenômeno pode ser explicado pelo fato de que a avenida principal do Jardim Lindóia se chama Avenida Panamericana, e várias ruas do bairro trazem nomes de capitais de países da América Latina. Se por um lado há um uso recorrente da palavra porto na composição de nomes de prédios, tal não se verifica com a palavra alegre. Achei Edifício Allegro, um Edifício Alegria aqui perto de casa, e, para minha grande surpresa, um Condomínio Edifício Alegria, no coração do Bairro Tristeza, algo que cheira a provocação.



Um quarto conjunto é o de prédios que homenageiam lugares da cidade. Uma cidade se vê homenageada se nela há prédios batizados com nomes de elementos próprios da sua paisagem urbana. O Laçador, símbolo muito conhecido na cidade, está homenageado no Condomínio Residencial Laçador, no bairro Humaitá, e um Edifício Laçador, na Cidade Baixa. O parque mais conhecido e celebrado na cidade é o chamado parque da Redenção. Ele está homenageado em vários prédios, e temos nada menos que oito exemplares de Edifício Farroupilha, nem todos no entorno do parque. Plaza Redenção, Condomínio Parque Castor Farroupilha, Ed. Parque, Ed. Campos da Redenção, e vários outros, em sua grande maioria no entorno do parque. O tradicional Auditório Araújo Viana está homenageado em Ed. Araújo Viana e Ed. Auditório. A Ponte de Pedra está homenageada em três prédios de nome similar, nas suas imediações. O Guaíba está homenageado em alguns prédios, com o nome Rio Guaíba ou simplesmente Guaíba. 



A catedral católica, o Theatro São Pedro e o Palácio Piratini estão homenageados em prédios do entorno que carregam seus nomes, como Edifício Catedral, Edifício São Pedro, Edifício Piratini. Nas proximidades de dois viadutos, temos Edifício Viaduto. Uma homenagem frequente é aquela de batizar prédios com o nome do bairro ou da rua, mas esse tema será objeto de artigo específico mais adiante. Mas adianto que tal prática é de uso muito comum, e tendência tanto antiga, na forma de nomes simples como Edifício Auxiliadora, como própria do contexto atual, em Auxiliadora Residence, Pateo Auxiliadora, Edifício Massimo Auxiliadora, Auxiliadora Offices, Auxiliadora Suítes e tudo mais.

Acima de tudo, uma cidade são pessoas. Se pode pensar que a cidade é homenageada quando dá, a seus prédios, o nome de pessoas que aqui nasceram e viveram suas vidas, ou que, embora não tenham aqui nascido, fizeram da cidade seu lar e com elas a cidade se identifica fortemente. Penso em artistas, homens e mulheres, primeiro os já falecidos. Temos na cidade o Residencial Josué Guimarães (nascido em São Jerônimo, mas que aqui viveu parte da vida, tendo sido inclusive vereador na Câmara Municipal da cidade), um edifício comercial Érico Veríssimo (nascido em Cruz Alta, mas que firmou residência boa parte da vida em Porto Alegre), e mais de um prédio com o nome de Mário Quintana e um Solar do Poeta que a ele parece se referir (Mário Quintana nasceu no Alegrete, mas aqui viveu boa parte da vida, e encarna certa alma da cidade). Sinto uma enorme falta de um prédio residencial como Varandas Elis Regina, um Condomínio Moacyr Scliar, um Edifício Teixeirinha (que não nasceu aqui, mas aqui fez carreira, faleceu e está sepultado), um Residencial Caio Fernando Abreu (nascido em Santiago, mas que viveu aqui parte da vida e aqui faleceu), uma Paragem Oliveira Silveira (que viveu anos importantes de sua vida aqui, e deixou marcas na cidade nas lutas em torno da negritude) ou então um Solar Berenice Azambuja (aqui nascida).

E se poderiam homenagear artistas vivas e já consagradas, como Adriana Calcanhotto (aqui nascida), ou Ilana Kaplan (o prédio poderia se chamar Bom Tom Suítes). E já que a construção de prédios é um ramo da engenharia, por que não temos um conjunto de torres residenciais na cidade com o nome de “Reserva Engenheiros do Hawaii”, e cada prédio com o nome de um dos integrantes? Isso tanto homenagearia a profissão, quanto faria memória de uma banda bem porto-alegrense, quanto teria o tão desejado ar estrangeiro do Hawaii. Falta criatividade, bom humor e coragem a quem inventa nomes de prédios nesta cidade.

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Fernando Seffner – Professor na Faculdade de Educação UFRGS

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