Ensaio | Parêntese

Gentileza no fogo

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Gentileza no fogo Kate Chandler Última semana de dezembro. Com os incêndios ainda acontecendo em Blue Mountains, onde moramos, na Serra a oeste de Sydney, decidimos que seria uma boa ideia tirar uns dias para visitar a família em Narooma. Não havia incêndios por lá. Resolvemos pegar o caminho mais longo, pelo interior, para evitar o congestionamento da estrada do litoral. Chegamos e passamos dois dias bonitos: almoço numa vinícola, tarde na praia, sorvete em Tilba [a cerca de 10 km de Narooma]. Parte da família foi embora no dia 30; ficamos eu, meu marido Brian, nossa filha Pearl (8 anos), meu sobrinho Josh, sua esposa Sam e o bebê Riley, além de dois cachorros, Fionn e Bud. Na madrugada do dia 31, fomos acordados com batidas na porta: o incêndio estava vindo na nossa direção. Se fôssemos sair, tinha que ser imediatamente. Dez minutos depois, saímos da mata onde ficava a casa, com planos apressados de nos encontrar com os outros na cidade. Me dei conta de como foi importante ter combinado um ponto de encontro. Se as redes de comunicação tivessem caído um pouco antes, como nos encontraríamos? A primeira coisa que fizemos foi encher o tanque. Nos encontramos num café, onde vimos a fumaça chegar do outro lado do rio. Talvez pudéssemos ver um filme depois, esperar passar – foi o que pensamos. A rede elétrica caiu antes de todos receberem os cafés. Josh foi ao supermercado comprar comida. As filas eram de uma hora, e já havia pouca coisa nas prateleiras. Ficamos sabendo que deveríamos ir para o Clube de Golfe de Narooma. Fomos bem recebidos. Havia uma prancheta para todos se registrarem. Nos acomodamos num canto, e uma mulher nos deu uma vela. Ela voltou várias vezes, perguntando se o bebê estava bem e se minha filha não queria pintar. (Às 22h30, aquela mulher ainda estava lá, ainda trabalhando, ainda sorrindo.) Quando chegamos, as janelas – que normalmente davam vista para o campo de golfe e o mar – pareciam chapas de cobre, o ar estava opaco de fumaça. Aos poucos, o clube ficou cheio de famílias e cachorros em todas as salas. Peter, uma pessoa ligada ao clube, nos deu as boas-vindas, explicou que não havia muita informação e que estávamos todos juntos, de forma que era preciso paciência. Ele disse que animais de estimação eram bem-vindos. Depois, descobrimos que as pessoas haviam começado a chegar às 7h da manhã. Os planos para a festa de Ano Novo tinham sido cancelados. Fizemos uma caminha para o bebê com duas cadeiras de vime. Nada de luz, então ficamos sem o que fazer o dia todo. Havia fumaça demais na rua, e bastante fumaça no lado de dentro também. Estava escuro demais para ler. Vimos o banner de Feliz Ano Novo pendurado no escuro e inventamos nomes para as cores do céu: Clube de Golfe 14:30 (laranja escuro), Narooma 17:00 (vermelho forte). Ficamos ansiosos porque as crianças estavam como que fumando dois maços de cigarro por dia. Não havia […]

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Kate Chandler Última semana de dezembro. Com os incêndios ainda acontecendo em Blue Mountains, onde moramos, na Serra a oeste de Sydney, decidimos que seria uma boa ideia tirar uns dias para visitar a família em Narooma. Não havia incêndios por lá. Resolvemos pegar o caminho mais longo, pelo interior, para evitar o congestionamento da estrada do litoral. Chegamos e passamos dois dias bonitos: almoço numa vinícola, tarde na praia, sorvete em Tilba [a cerca de 10 km de Narooma]. Parte da família foi embora no dia 30; ficamos eu, meu marido Brian, nossa filha Pearl (8 anos), meu sobrinho Josh, sua esposa Sam e o bebê Riley, além de dois cachorros, Fionn e Bud. Na madrugada do dia 31, fomos acordados com batidas na porta: o incêndio estava vindo na nossa direção. Se fôssemos sair, tinha que ser imediatamente. Dez minutos depois, saímos da mata onde ficava a casa, com planos apressados de nos encontrar com os outros na cidade. Me dei conta de como foi importante ter combinado um ponto de encontro. Se as redes de comunicação tivessem caído um pouco antes, como nos encontraríamos? A primeira coisa que fizemos foi encher o tanque. Nos encontramos num café, onde vimos a fumaça chegar do outro lado do rio. Talvez pudéssemos ver um filme depois, esperar passar – foi o que pensamos. A rede elétrica caiu antes de todos receberem os cafés. Josh foi ao supermercado comprar comida. As filas eram de uma hora, e já havia pouca coisa nas prateleiras. Ficamos sabendo que deveríamos ir para o Clube de Golfe de Narooma. Fomos bem recebidos. Havia uma prancheta para todos se registrarem. Nos acomodamos num canto, e uma mulher nos deu uma vela. Ela voltou várias vezes, perguntando se o bebê estava bem e se minha filha não queria pintar. (Às 22h30, aquela mulher ainda estava lá, ainda trabalhando, ainda sorrindo.) Quando chegamos, as janelas – que normalmente davam vista para o campo de golfe e o mar – pareciam chapas de cobre, o ar estava opaco de fumaça. Aos poucos, o clube ficou cheio de famílias e cachorros em todas as salas. Peter, uma pessoa ligada ao clube, nos deu as boas-vindas, explicou que não havia muita informação e que estávamos todos juntos, de forma que era preciso paciência. Ele disse que animais de estimação eram bem-vindos. Depois, descobrimos que as pessoas haviam começado a chegar às 7h da manhã. Os planos para a festa de Ano Novo tinham sido cancelados. Fizemos uma caminha para o bebê com duas cadeiras de vime. Nada de luz, então ficamos sem o que fazer o dia todo. Havia fumaça demais na rua, e bastante fumaça no lado de dentro também. Estava escuro demais para ler. Vimos o banner de Feliz Ano Novo pendurado no escuro e inventamos nomes para as cores do céu: Clube de Golfe 14:30 (laranja escuro), Narooma 17:00 (vermelho forte). Ficamos ansiosos porque as crianças estavam como que fumando dois maços de cigarro por dia. Não havia […]

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